Título: Derrota ameaça reeleição de Lula
Autor: Sérgio Pardellas e Paulo de Tarso Lyra
Fonte: Jornal do Brasil, 16/02/2005, País, p. A3

Ascensão de Severino Cavalcanti à presidência da Câmara força Planalto a rever posições e desarticula relação com Legislativo

Mais do que a maior derrota do governo do PT no Congresso, a eleição do deputado federal Severino Cavalcanti (PP-PE) para a presidência da Câmara representou a primeira grande ameaça ao projeto de reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ontem, aliados e oposicionistas foram unânimes em afirmar que, se as eleições presidenciais fossem hoje, o destino do atual governo e seu projeto de poder seriam sustentados tão somente pelo carisma pessoal de Lula, dada a fragilidade de sua base na Câmara. No segundo turno, por exemplo, o candidato oficial, deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP), só obteve 195 votos, amargando uma derrota histórica, com consequências imprevisíveis para a governabilidade e a relação do governo com o Legislativo.

- O Poder Executivo tem que rever o tipo de relação com a Câmara - reconheceu Greenhalgh.

O petista, ainda sob o impacto da derrota (''A vida é assim''), acredita que boa parte dos votos em Severino Cavalcanti traduzem uma insatisfação com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O líder do PSB na Câmara, Renato Casagrande (ES), compartilha a opinião.

- Não há dúvida de que houve erros e essa relação do governo com o Congresso deve ser revista - afirmou.

Nem os ministros mais próximos de Lula ousavam apostar no que estaria por vir na reforma ministerial que se avizinha. Com a bancada governista em frangalhos e a articulação política do Planalto em xeque, as alterações na Esplanada dos Ministérios serão norteadas pelo imponderável.

- A única saída para o Lula, agora, é montar uma equipe ministerial de ponta e tentar depender o mínimo possível dos humores do Parlamento - analisou um deputado que alterna momentos de oposição e aproximação com o Planalto.

A intenção inicial era privilegiar os aliados no chamado governo de coalizão. Mas como o índice de traição extrapolou os limites do que o governo considerava razoável, a dúvida que povoa a mente dos palacianos agora é quem são os verdadeiros aliados e aqueles que são os chamados ''governistas de ocasião''. Aguardam apenas a chegada do presidente Lula para separar o joio do trigo. Lula - que só voltaria amanhã do Suriname - antecipou o retorno para hoje.

- Não tenho dúvida de que os projetos serão votados. A divisão interna acabou quando saiu o resultado. O governo não disputou; quem disputou foi o PT - minimizou ontem Lula em Georgetown, Guiana.

O PMDB, que acalentava o desejo de ampliar seu espaço na Esplanada, prometia 50 votos pra Greenhalgh. Mas, com uma bancada de 88 deputados, conseguiu pouco mais de 30. O PP fez jogo duplo e grande parte dos parlamentares do partido desembarcou na campanha de Severino. As digitais do deputado Pedro Henry (PP-MT), por exemplo, foram encontradas na operação que filiou parlamentares do partido no PMDB oposicionista. O PP provocou um acesso de raiva no chefe da Casa Civil, ministro José Dirceu.

- O PP está trocando um Ministério pela presidência da Câmara - teria esbravejado Dirceu.

A ordem no Planalto é juntar os cacos para governar. Respaldado pelo presidente Lula, ontem mesmo o ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, procurou Severino Cavalcanti, de quem teria recebido garantias de convivência pacífica com o governo. Mas o clima palaciano ainda é de caça às bruxas. Os resquícios da fragorosa derrota na Câmara ainda são evidentes. Ontem, Dirceu, em conversas reservadas, teria debitado a derrota de Greenhalgh na conta de Aldo Rebelo.

- Agora é o Aldo. Perguntem para o Aldo - disse ontem Dirceu na Câmara, questionado por jornalistas sobre a vitória de Severino.

Conforme antecipou o Jornal do Brasil, Dirceu voltou a trabalhar nos bastidores para recuperar a articulação política do governo, numa dobradinha com o deputado João Paulo Cunha (PT-SP), possível futuro líder do governo na Câmara.

- Se eu fosse o Aldo, pegava o boné e ia embora. A articulação política em 2004 foi um desastre - alfinetou um pefelista.

O atual líder do governo na Câmara, deputado Professor Luizinho (SP), por sua vez, jogou a culpa no colo de ministros ao dizer que alguns deles ''não teriam dado a atenção devida à eleição na Câmara''.

Já o senador Aloizio Mercadante (PT-SP), criticou em conversa com interlocutores a condução do processo eleitoral pelo então presidente da Câmara, João Paulo Cunha. Para Mercadante, João Paulo não poderia ter deixado que o segundo turno fosse disputado na madrugada, dando margem à ''revolução do Baixo Clero'', responsável pelo triunfo de Severino.

Líder do PL na Câmara, o deputado Sandro Mabel (GO) acredita que o Planalto precisa tratar bem os deputados, ouvir suas queixas. Mabel, que foi vice-líder do governo durante a gestão Fernando Henrique, garante que a tropa de choque tucana jamais deixaria as coisas chegarem ao ponto em que chegaram na madrugada de segunda para terça.

- O governo vai precisar ter alguém bom de articulação agora. Do jeito que está, o Congresso pára o Executivo - acrescentou Mabel.