Título: Sem porta-voz das Farc, sem avanço
Autor: Raposo, Fred
Fonte: Jornal do Brasil, 08/04/2008, Internacional, p. A21
Missão esbarra na ausência de interlocutor da guerrilha, sem negociador desde bombardeio
Enquanto a comunidade internacional se mobiliza para pedir a libertação da ex-senadora Ingrid Betancourt, a missão humanitária francesa, que não obteve avanço em cinco dias na região, encontra nas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) obstáculo crucial para desenvolvimento de qualquer negociação: a ausência de um interlocutor. O último porta-voz ¿ e responsável por negociar libertação de reféns ¿ da guerrilha, Raúl Reyes, foi morto junto a outras 25 pessoas em operação do Exército colombiano em território equatoriano.
¿ As portas para a negociação política entre as Farc e autoridades foram fechadas ¿ explica o mestre em ciências políticas da Universidade da Andaluzia, na Espanha, Franklin Ramirez. ¿ A guerrilha tomou o bombardeio que matou Reyes como um ato de traição e, no mesmo momento, o preço pela cabeça de Ingrid ficou mais alto.
Plano militar
Até alguns anos atrás, líderes rebeldes eram encontrados em cidades e campos no Sul da Colômbia. Depois que negociações com o governo colombiano falharam, em 2002, seus comandantes desapareceram dentro das florestas colombianas. Reyes, número dois do grupo, permaneceu como a face pública da guerrilha.
¿ O objetivo do bombardeio foi interromper o caráter de politização que as Farc vinham adquirindo, para que a disputa retornasse ao plano militar ¿ crava Ramirez, que esta Semana participa de Seminário internacional organizado pelo Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (Clacso), no Rio.
Desde a morte em 1º de março de Reyes ¿ o que elevou a popularidade do presidente colombiano, Álvaro Uribe ¿ os guerrilheiros se escondem na selva, Sem qualquer contato com o mundo exterior. Comunicados do grupo são transmitidos por veículos próximos à organização, como o divulgado pela Agência Bolivariana de Imprensa.
A dificuldade de entrar em contato com as Farc aumentou, na última Semana, com o pedido de prisão, emitido pela Interpol, de um dos líderes da guerrilha, Rodrigo Granda. Conhecido como "chanceler", Granda afirmou que não libertaria Ingrid ou qualquer outro refém de maneira unilateral.
Mesmo a senadora colombiana, Piedad Córdoba, colaboradora em duas investidas do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que libertaram seis reféns, admite carecer de contatos na guerrilha para auxiliar a missão francesa.
¿ Tudo que posso dizer é que, assim que tivermos chance de entrar em contato com alguém, poderemos trabalhar no assunto ¿ afirmou a senadora na sexta-feira.
Ramirez conta que, daqui em diante, as articulações com as Farc devem ganhar caráter menos público, porém com maior participação internacional, como Chávez ou do presidente brasileiro Luís Inácio Lula da Silva. Esta "internacionalização" das negociações, na opinião do especialista, eleva pressões sobre Uribe.
¿ Ingrid é uma peça chave nas mãos das Farc ¿ analisa o equatoriano. ¿ Se morrer em cativeiro, será um problema para a guerrilha, mas um problemão para Uribe, que sofre pressões de diversos setores da sociedade civil colombiana e da comunidade internacional. As Farc já perderam homens preciosíssimos. O que mais podem perder?
Amebíase
Há mais de seis anos nas mãos das Farc, Ingrid pode não estar tão doente como foi cogitado anteriormente. A informação é da mãe da franco-colombiana, Yolanda Pulecio.
¿ Estive em contato com um guerrilheiro capturado recentemente, e ele me disse que ela não parece ter hepatite, mas que apresenta uma amebíase ¿ relatou Yolanda a uma rádio peruana. ¿ Ela tem dores de barriga e está vomitando. E, evidentemente, está deprimida e ansiosa. Isso me deixa, de certa forma, um pouco mais aliviada, porque a hepatite seria mais grave. Tenho certeza de que conseguiremos superar isso em breve.
A França, que a princípio disse que a refém sofria de hepatite, voltou atrás na declaração. O ministro das Relações Exteriores, Bernard Kouchner, afirmou que Ingrid "não apenas está viva, mas de que o estado dela é melhor do que foi dito". Insistiu, ainda assim, que a refém receba a visita de um médico.