Título: A revolta do plenário
Autor: Fabiano Santos
Fonte: Jornal do Brasil, 16/02/2005, País, p. A3

A vitória do deputado Severino Cavalcanti para a presidência da Câmara dos Deputados surpreendeu a esmagadora maioria dos analistas políticos, incluindo-se o autor destas linhas, com a óbvia exceção dos apoiadores da candidatura vitoriosa. Na política, assim como em outras dimensões da vida, as surpresas fornecem grandes lições. Vamos a elas. A derrota de Luiz Eduardo Greenhalgh expressa dois fenômenos sem o entendimento dos quais a coordenação política do governo continuará a sofrer e reveses importantes. Em primeiro lugar, a decisão sobre candidaturas deve respeitar aquilo que conhecemos por timing político. Grande parte do tempo em que a sucessão deveria estar sendo conduzida foi gasto na questão da reeleição. A idéia da extensão dos mandatos dos comandos das Casas Legislativas, fazendo-os coincidir com o período de mandato presidencial, não é má, mas desde cedo ficou claro que não havia espaço, principalmente no Senado, para que a proposta pudesse fluir. A insistência não somente postergou para além do razoável a indicação do nome que concorreria pelo PT, ao passo que na Câmara Alta este havia sido definido desde longa data, como também gerou uma sensação generalizada de exclusão do processo decisório nos demais parceiros da base governista.

Em segundo lugar, o nome escolhido para concorrer possui perfil ideológico mais à esquerda do que seria palatável pelo centro de gravitação ideológica da Casa. Isto se tornou evidente logo nos primeiros dias que se seguiram à escolha de Greenhalgh. A tradição reza que o maior partido indica o nome a concorrer para a presidência, contudo, nada consta no Regimento que obrigue os deputados a votarem em alguém que não expressa a opinião mediana do plenário. Greenhalgh é e sempre foi um excelente parlamentar ¿ o problema não é esse. O problema é que o fato de ser ele identificado com teses à esquerda do espectro político indicava que sua candidatura exigiria mais tempo para que fosse possível sua absorção pelo conjunto dos deputados, principalmente, os membros conservadores da coalizão governista. A conjugação destes fatores ¿ perda do timing político e escolha de um nome percebido como por demais à esquerda ¿ criou o caldo de cultura para a emergência de fortes candidaturas, avulsas e dissidentes. Em política, nunca faltam bons surfistas para as boas ondas.

Os prejuízos para o governo e para o PT são óbvios. Todavia, vale especular sobre o significado da vitória de Severino Cavalcanti, no que esta representa para a democracia brasileira, sobretudo, para a instituição Legislativo. A plataforma vencedora manifesta um claro clamor do deputado médio brasileiro pela melhoria nas condições de exercício do mandato, incluindo-se aí questões salariais. Mas estas não são as mais importantes. A atividade legislativa no Brasil tem sido um semi-apêndice do Executivo, com a implicação mais importante de ser o processo decisório obra e graça de poucos atores. A chance agora está colocada para que sejam postas na agenda do Congresso reformas descentralizadoras que tornariam o deputado desprovido de postos partidários e de acesso privilegiado ao Executivo mais atuante e participativo.