Título: O Brasil está blindado da crise
Autor: Totinick , Ludmilla
Fonte: Jornal do Brasil, 13/04/2008, Economia, p. E3

Há então uma demanda reprimida que tem causado essa tendência de inflação? ­ O brasileiro saiu gastando porque a renda aumentou, o crédito também está aumentando e isso passou do limite. Isso não é bom? ­ Isso faz parte da vida. A economia brasileira é uma economia normal. Sempre que houver desequilíbrio entre oferta e procura, como vivemos hoje, o Banco Central terá de subir o juro para moderar o desequilíbrio e evitar que a inflação saia de controle. É normal, isso faz parte de qualquer economia do mundo. Mas no Brasil estamos acostumados a nos queixar, a não ser do feijão e do chuchu, mas é claro o desequilíbrio macro da economia. O excesso de gastos aparece nos três setores básicos da economia: família, as empresas ­ não se esqueça de que quando a empresa está investindo, está gastando ­ e o governo, que é a Festa da Uva. O senhor acha que a taxa de inflação justifica que o Brasil tenha maior taxa de juros do mundo? ­ É outro problema. O pro- blema da taxa de juros no Brasil ser muito alta tem muitos componentes. Só que agora, nesse momento, o Banco Central não tem saída, ele tem de subir a taxa de juros. Isso não torna o Brasil o país dos especuladores? ­ Não, o Brasil não é o país dos especuladores. Ele simplesmente se torna mais atrativo, e é um dos mecanismos para se reduzir a inflação. Ao movimentar capital para cá, há a valorização da moeda. E o real valorizado tem influência sobre a inflação. É um procedimento normal em qualquer lugar do mundo. Nos EUA, o Fed interveio no Bears Stears e ganhou mais poderes para tentar conter a crise. Os Estados Unidos estão revendo o próprio liberalismo? ­ Não concordo. O que os EUA vivem hoje confirma uma ressaca de liberalismo excessivo. No fundo, nos últimos anos, houve descontrole por parte das ações financeiras e dos controladores. Houve excesso de crédito no mercado de crédito, imobiliário e de cartão de crédito. Criou uma crise bancária, como já aconteceu na história dos próprios Estados Unidos várias vezes, e vai levar à nova rodada de definição de regulações. Não é o fim do liberalismo, mas é para controlar o excesso de liberalismo, que acontece de tempos em tempos. Faz parte da história do capitalismo e se a pessoa conhece um pouco da história do capitalismo identifica que isso já aconteceu várias vezes. Não tem nada dramático. Houve excesso, uma farra do boi e o Fed está colocando um pouco de ordem nessa zona toda que aconteceu. Num artigo, o senhor de- fendeu a instalação de um sistema operacional na qual as taxas de intervenção do BC migraram para as operações de mercado aberto. Como funcionaria isso? ­ O Banco Central já estava fazendo um pouco isso. Acho que o Banco Central tem de fazer o feijão com arroz. Faça o que é clássico, que é subir a taxa de intervenção dele, que no fundo é a Selic. O FMI considera o câm- bio valorizado uma das fragilidades do Brasil. O senhor concorda? ­ Não. Acho que a eco- nomia brasileira já se adaptou a essa taxa de câmbio de R$ 1,70 e R$ 1,75. Teremos agora uma valorização adicional por causa do aumento dos juros, mas se o Banco Central tiver sucesso na intervenção, a taxa de juros de longo prazo, a que afeta realmente a economia, vai começar a cair novamente, pois vai ser vista novamente sob controle. Não vejo nenhum grande drama nisso. Tem de fazer isso, você poderia evitar se o governo, por exemplo, tivesse uma política fiscal de contenção de gastos. O governo anunciou cortes de gastos. ­ É preciso que nesse momento de depreciação, o governo realmente sente no caixa e não gaste dinheiro. Mas, como não faz isso, pelo contrário expande cada vez mais os gastos, o BC fica com ônus. É o único instrumento disponível de tentar combater a situação. É simples, não é nenhum drama. É como a economia deve funcionar. O governo acha que o Brasil nunca esteve tão preparado para enfrentar a crise, mas o próprio presidente avisou que o país poderia ser afetado caso a turbulência dure muito tempo. O que poderia se feito para blindar o país? ­ O país está blindado. Está preparado e uma forma de manter essa blindagem é o Banco Central agir como deve agir. Ao fazer isso, aumenta a confiança de todo mundo na economia. O senhor não acha que a crise não atingiu a economia real? ­ Pelo contrário. Qual o problema do Brasil hoje? É a economia está crescendo mais do que devia? Onde é há crise aqui? Não tem. Como a Bolsa brasileira está se comportando diante da crise? O senhor tem um conselho para o pequeno investidor? ­ Muito bem, praticamente no nível que estava antes da crise. Acho que o investidor deve ficar tranqüilo, deve manter os investimentos. Teremos uns dois ou três meses em que talvez a bolsa não suba muito ou oscile pouco. Mas olhando para frente, a economia está muito bem e se o Banco Central fizer o trabalho que deve fazer agora, vai implicar em mais confiança de todos daqui para frente. O BNDES deve repassar R$ 250 bilhões para a política industrial do governo. Algumas medidas já foram divulgadas, como o aumento da participação do país no comércio exterior e o aumento da taxa de investimento em relação ao PIB. Qual a sua opinião? ­ O BNDES influencia muito pouco. A dinâmica da economia é privada e com crédito privado. O BNDES tem função importante, mas em certos segmentos, que é preciso ter ação mais efetiva, o banco vem sendo diluído porque a economia está crescendo tanto, está ficando tão grande, que o BNDES tem efeito muito mais limitado do que teve no passado. O governo Lula anun- ciou o PAC como um dos maiores programas de infra-estrutura do país. Mas algumas obras estão paradas, outras andam lentamente. Os críticos chamam o PAC de eleitoreiro. O que o senhor, que foi ministro de FH, acha do PAC? ­ Para mim, o PAC é uma grande embromação, um grande programa de gastos correntes do governo, não tem nada a ver com investimentos. O PAC hoje é contra o investimento e não a favor. Grande parte desse aumento de juros que o BC vai fazer é para compensar as obras do PAC. Seria muito mais fácil ter menos gastos dentro do PAC e menos juros dentro do Banco Central. O governo resolveu levar adiante esse gasto nesse programa, que agora realmente virou um programa eleitoreiro no sentido de influenciar o resultado das eleições em 2010. E o custo que a sociedade vai ter é juro mais alto e câmbio mais valorizado. O senhor acredita que o país vai continuar crescendo 5%, mesmo com essa taxa de inflação? ­ Vai crescer. Acho que esse ano cresce 5%. Vai crescer mais e manter a inflação sob controle? ­ Se o Banco Central agir rapidamente, ela volta sob controle até o fim do ano. O que o senhor, que foi ministro das Comunicações, acha da implantação da TV Digital no país? ­ É uma decorrência natural, a evolução do Brasil nessa área digital, de internet e televisão, é extraordinária. Hoje mesmo está no jornal que o crescimento da rede de banda larga no Brasil é extraordinário. E a TV digital que claramente é tecnicamente muito superior à analógica, vai ter no Brasil um desenvolvimento também extraordinário.

E N T R E V I S TA

I LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

O real valorizado tem influência sobre a inflação. É um procedimento normal em qualquer lugar do mundo

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O PAC é uma grande embromação, um grande programa de gastos correntes do governo, não tem nada a ver com investimentos

" LUCROS ­ Mendonça de Barros reconhece que taxas de juros maiores atraem capital especulativo Divulgação