Título: A rentável indústria do dinheiro barato
Autor: Dantas , Cláudia
Fonte: Jornal do Brasil, 13/04/2008, Economia, p. E4

Apesar das ameaças do BC de aumentar a Selic e dos juros mais altos cobrados por instituições financeiras, crédito para população de baixa renda expande e pressiona inflação

Cláudia Dantas

O provável aumento da taxa de juros do Banco Central e os índices de 165% de juros no cheque especial pouco preocupam um segmento que anda a passos largos e que é justamente um dos responsáveis pela suposta ameaça de inflação alardeada pela autoridade monetária: as famílias de baixa renda. Números do próprio BC mostram que o montante de empréstimos de até R$ 5 mil para pessoas físicas em janeiro chegou a R$ 139,9 bilhões. Não houve, no ano passado ¿ marcado pelo consumo ¿ um mês em que se emprestasse tanto dinheiro.

¿ Não haverá retração no crédito com o possível aumento da taxa de juros pelo Banco Central ¿ acredita Istvan Kasznar, conselheiro econômico da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi).

A estabilidade econômica ¿ em especial indicadores como melhor distribuição de renda e aumento do emprego ¿ fez com que bancos e lojas descobrissem o filão. Grandes redes de varejo como Casas Bahia, Lojas Colombo, no Sul, ou Magazine Luiza, em São Paulo, têm se associado a diversas instituições financeiras para vender crédito, e não apenas eletrodomésticos, móveis ou roupas.

O megaempresário mexicano, Ricardo Salinas, pegou carona na crescente indústria de emprestar dinheiro barato. No fim do mês passado, Salinas inaugurou a primeira loja de eletrodomésticos no Brasil, a Elektra, que inclui uma agência bancária do banco Azteca para financiar, na hora, as compras.

A inauguração contou com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que foi praticamente o padrinho do projeto em terras brasileiras, porque ajudou Salinas a se desvencilhar da burocracia para abrir o banco popular no país.

Até analfabetos

A fórmula do bilionário de ganhar dinheiro é clara: apostar na população de baixa renda ao montar agências em bairros populares ¿ no Rio será na Rocinha ¿ e investir na identificação digital dos clientes para atrair até analfabetos.

Quando comentaram com Salinas sobre o suposto excesso de crédito para os mais pobres, o bilionário não hesitou:

¿ Na classe popular, não há sobreoferta de crédito, há escassez. É importante que as classes populares tenham instrumentos de poupança.

Para abrir uma conta no recém-inaugurado banco Azteca é preciso o dinheiro necessário para comprar dois quilos de feijão.

¿ As pessoas não conseguem fazer uma poupança porque os bancos exigem um depósito alto para abrir uma conta. Aqui, poderão abrir uma poupança com R$ 5 ¿ avisa.

Ainda de acordo com o Banco Central, em fevereiro, o volume total emprestado para pessoas físicas e empresas chegou a 34,9% do Produto Interno Bruto (PIB). Representa um montante de R$ 679,1 bilhões. No mesmo mês do ano passado, foi de R$ 511,2 bilhões. Em dezembro de 2006, o resultado era pouco mais de R$ 498 bilhões.

Microcrédito

Outro segmento financeiro importante é o microcrédito, que avança a passos largos, conforme indicam os números divulgados pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Hoje, há 259 instituições habilitadas pelo governo para emprestar dinheiro a pessoas físicas e jurídicas com renda bruta anual de até R$ 60 mil pelo Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado. Por lei, as taxas de juros não podem ultrapassar 4%. Desde 2005, o projeto já gerou recursos superiores a R$ 2,5 bilhões, em 2,4 milhões de operações.

Nos números do BC, o saldo em carteira do setor de microcrédito, foi superior a R$ 4 milhões, em 2004, montante produzido por instituições financeiras de todo o tipo. Quatro anos depois, o mesmo setor é responsável por quase R$ 400 milhões de volume negociado, entre empréstimos e pagamentos. Cerca de 100 vezes mais.

No entanto, há muito a fazer no setor. Criado há três anos, o programa estimula a geração de trabalho e renda entre os microempreendedores, porém só aceita projetos que tenham enfoque produtivo.

Segundo Max Coelho, coordenador do programa de microcrédito no MTE, o setor tem um potencial enorme.

¿ Pesquisa do IBGE identificou que existem 10 milhões de pequenos empresários na economia informal, e é este público que nos interessa ¿ destacou Max, ao complementar que a modalidade precisa avançar mais no país.

Max revelou que o MTE fechou parceria com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) a fim de criarem, juntos, políticas públicas de microcrédito voltadas aos beneficiários do Bolsa Família.

¿ Vamos aproveitar o banco de dados do programa, que identificou que 1 milhão de pessoas dispõe de alguma atividade informal ¿ assinalou Max, ao complementar que, gerando trabalho e renda, essas pessoas poderão substituir o benefício por recursos próprios.