Título: STF pode declarar nula demarcação da reserva
Autor: Carneiro , Luiz Orlando
Fonte: Jornal do Brasil, 17/04/2008, País, p. A4

O ministro Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal (STF), admitiu, ontem, que o decreto presidencial de maio de 2005, que homologou a demarcação contínua da reserva indígena Raposa/Serra do Sol, pode ¿ em tese - vir a ser anulado. Isso pode acontecer quando o tribunal julgar uma das principais ações do lote de 33 processos referentes à questão, "que não é apenas de ordem fundiária, mas também de interesse federativo, por envolver litígio entre a União e o Estado de Roraima".

Ayres Britto é relator, por prevenção, de todos esses processos ¿ na sua maioria relativos a casos individuais (ações possessórias). Ele vai selecionar uma das ações mais relevantes, com parecer em vias de conclusão pelo procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza.

De acordo com levantamento do STF, há duas ações populares em andamento que contestam a totalidade da região demarcada, de 1,7 milhão de hectares, destinada a abrigar cerca de 15 mil índios. Os produtores de arroz ¿ que dizem ser responsáveis por 6% da economia do Estado e consideram inconstitucional o decreto de 2005 - têm como aliados 5 mil indígenas, que integram a Sociedade de Defesa dos Índios Unidos de Roraima (Sodiurr). A entidade é autora de uma ação civil pública na qual reivindica a demarcação judicial da reserva, na qual estão situados grandes arrozais, vilas e outros núcleos habitacionais. Esta ação já tem parecer (contrário) do Ministério Público Federal.

Na última quinta-feira, o STF suspendeu, por unanimidade, a operação da Polícia Federal de retirada da população não-indígena que ainda ocupa apenas 1% da reserva Raposa/Serra do Sol, até o julgamento do mérito de uma das várias ações em tramitação no tribunal. A Advocacia-Geral da União recorreu, no dia seguinte, sem sucesso.

Na ocasião, Ayres Britto ressaltou que ¿ apesar de existir o perigo de uma "conflagração" ¿ não se pode deixar de levar em conta que a área ainda ocupada por arrozeiros e não-índios corresponde a apenas 1% de 1,7 milhão de hectares de terras demarcadas. E salientou também haver, no caso, "um conflito de dimensão federativa", tendo em vista que o atual Estado de Rondônia "quase voltou à condição de Território federal, já que 46% de suas terras são reservas indígenas e, portanto, da União".

No entender do chefe da AGU, ministro José Antonio Toffoli, o STF não avançou ainda com relação ao mérito da discussão em torno da constitucionalidade do decreto de demarcação da reserva, tendo em vista o fato de que as áreas indígenas representam hoje 46% da área total de Roraima.

¿ Este é um tema jurídico e político que as comunidades indígenas e o governo terão de enfrentar. Defendemos a homologação contínua e precisamos convencer o STF de que a Federação não deixará de existir, já que os índios são parte do povo de Roraima ¿ afirmou.