O Estado de S. Paulo, n. 47918, 27/12/2024. Política, p. A7

Lira cobra ministros sobre emendas e diz que dará satisfações ao STF
Sofia Aguiar
Letícia Naome
Levy Teles

 

 

Deputado quer que membros do governo se pronunciem sobre procedimentos adotados na distribuição de recursos.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PPAL), disse ontem que todos os atos relacionados às emendas parlamentares ao Orçamento foram feitos em cumprimento à lei sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seguindo acordo com governo e Judiciário. Lira cobrou que os ministros do Executivo prestem esclarecimentos, após o recesso natalino, sobre os procedimentos adotados na distribuição dos recursos.

Ele disse ainda que vai remeter hoje ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino documento ponderando pontos da decisão do magistrado que determinou o bloqueio de R$ 4,2 bilhões em emendas de comissão. Os recursos estavam previstos para serem pagos até o fim do ano.

O ofício que havia liberado o pagamento do montante bilionário em emendas de comissão tinha a assinatura de 17 líderes de bancadas.

Para justificar a suspensão do repasse, Dino afirmou em sua decisão que houve um “apadrinhamento” das emendas pelos líderes partidários, o que, na prática, impede a identificação dos parlamentares que efetivamente fizeram os pedidos de distribuição. O sistema de apadrinhamento contraria decisões do STF que condicionaram a destinação das emendas a requisitos da transparência e rastreabilidade.

Lira afirmou que as decisões sobre emendas foram feitas em cumprimento à decisão anterior do STF, observando ainda a lei complementar sancionada por Lula. “E, mais do que isso, o procedimento do encaminhamento da relação do apadrinhamento dos líderes da Câmara e dos líderes do Senado obedeceu a um critério rigoroso de análise do Gabinete da Casa Civil, do Ministério da Fazenda, do Planejamento e da AGU”, destacou. A declaração foi dada pelo presidente da Câmara na porta de sua residência oficial após se reunir com líderes. Mais cedo, ele havia se encontrado com Lula para tratar do assunto.

Embora Lira tenha ressaltado o trâmite entre os ministérios do Executivo, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, afirmou ontem, em entrevista à CNN Brasil, que a Advocacia-Geral da União (AGU) orientou o governo “a manter cumprimento das decisões do Dino”.

O presidente da Câmara disse que a Casa está “tranquila” e que todos os atos em relação às emendas foram acertados entre os três Poderes. “Nós esperamos que, com o fim do recesso natalino, os ministros que estão retornando possam esclarecer junto a todos vocês os procedimentos, como foram feitos, como foram tratados”, afirmou.

‘SEGURANÇA JURÍDICA’. Lira disse ainda que foram feitas “ilações” sobre a decisão da Câmara de suspender na última semana legislativa o funcionamento de todas as comissões, mantendo apenas as votações em plenário. Ele afirmou que a medida serviu para acelerar a apreciação de matérias importantes para o Executivo, como o próprio pacote de ajuste fiscal, e não teve relação com o pagamento dos recursos das emendas de comissão.

“Queria relembrá-los de que todas as votações importantes que houve durante esses últimos anos na Câmara dos Deputados, como a PEC da Reforma Tributária, a Lei Complementar da Reforma Tributária, o retorno da Reforma Tributária e, por fim, a votação das matérias de corte de gastos, sempre houve decisão da presidência para que se suspendessem todas as comissões e todas as audiências públicas para que o plenário, de segunda a sexta, debatesse sobre os temas principais”, disse.

“Fica, por fim, a pergunta, o que era mais importante nessa última semana? A gente tratar de emendas parlamentares ou tratar das matérias que deram segurança jurídica para que os cortes de gastos fossem aprovados pela Câmara dos Deputados e, consequentemente, pelo Senado Federal?”, concluiu Lira.

Como mostrou o Est adão/Broadcast, parlamentares disseram que a ação de Dino tensionou novamente a relação entre Judiciário e Legislativo. O senador Ângelo Coronel (PSD-BA), relator do Orçamento de 2025, declarou que só colocará essa matéria para votar quando as regras das emendas estiverem pacificadas e quando não houver “fogo cruzado” entre os Poderes.

Em sua decisão, o ministro do STF também determinou a abertura de um inquérito pela Polícia Federal para investigar a captura das emendas de comissão. Segundo Dino, em uma primeira análise, os fatos “desbordam, em muito, da Constituição, pois não se trata de normal exercício de autonomia institucional”.