Valor Econômico, 04/05/2020, Empresas, p. B12
Países suspendem reprovação e mudam provas
Folhapress
À medida que se prolonga o fechamento generalizado de escolas devido ao coronavírus, países do mundo todo têm adotado medidas excepcionais na educação. Elas incluem a suspensão da reprovação de alunos, novas políticas de notas e enxugamento de currículo.
Segundo dados da Unesco, braço das Nações Unidas para a educação e a cultura, 1,3 bilhão de estudantes estão em instituições de ensino que tiveram as atividades presenciais interrompidas, o correspondente a 73,8% do total. O percentual já chegou a mais de 90%, antes de a China começar uma reabertura gradual.
O mapa da organização mostra que os únicos países que ainda mantinham colégios abertos na semana passada eram Belarus, Turcomenistão e Tajiquistão, que, em diferentes graus, minimizam a gravidade do coronavírus.
De forma geral, as ações educacionais adotadas por países do hemisfério norte nas últimas semanas têm levado em conta dois fatores: eles estão mais adiantados do que o Brasil na pandemia, alguns com curva descendente de casos; e estão no final do ano letivo, que, em circunstâncias normais, acabaria em junho.
As medidas adotadas por eles visam, em regra, mitigar o aumento da desigualdade educacional, tido como muito provável, evitar a evasão escolar e tentar corrigir o mais rápido possível as lacunas de aprendizagem que o período de ensino remoto pode deixar.
Governos da Espanha, Itália e de grandes centros dos Estados Unidos, como Nova York, são alguns dos que decidiram que os alunos não repetirão de ano em 2020 - salvo, no caso dos dois primeiros, em situações excepcionais.
A Itália prevê a volta às aulas em setembro. Os alunos que tiverem deficiências constatadas em avaliações passarão de ano, mas serão encaminhados a programas de recuperação. O exame que dá o certificado de formatura do ensino médio foi mantido, mas a nota final levará em conta mais a trajetória escolar do aluno do que o resultado da prova.
A medida se seguiu a uma série de outras, como a distribuição de computadores em comodato para famílias que não têm o equipamento e uma política específica para crianças com deficiência.
Vice-presidente de educação do Instituto Ayrton Senna, Tatiana Filgueiras ressalta que isso foi possível graças a uma forte coordenação nacional das ações educacionais na Itália na atual pandemia.
“A coordenação chamou a atenção porque pensou tanto nas políticas universais como naquelas para públicos específicos, com perspectiva agregadora”, diz ela, que vive no país. “No Brasil, o Conselho Nacional de Educação lançou um documento importante, mas com caráter de recomendação”, afirma, referindo-se ao parecer do CNE aprovado na terça-feira. O texto do conselho sugere “avaliação equilibrada dos estudantes” e monitoramento da aprendizagem deles.
Na Espanha, que tem uma das maiores taxas de repetência da Europa, o Ministério da Educação acordou com os governos regionais a não reprovação como regra geral e a atribuição de notas com base principalmente no desempenho do aluno no período anterior à suspensão das aulas presenciais.
Em Nova York, o Departamento de Educação determinou a suspensão de reprovações e mudança no sistema de notas. Alunos do sexto ao nono ano poderão estar em uma de três classificações: “atende aos parâmetros”; “precisa melhorar”; “curso em andamento”. Os que estiverem nas duas últimas terão atividades de reforço. “Esta política busca minimizar o estresse das famílias e dos estudantes, ao mesmo tempo em que dá aos professores do próximo ano as informações sobre o progresso de cada aluno”, informou o departamento, em carta enviada aos pais de alunos.
Ex-secretário municipal de Educação de São Paulo e pesquisador visitante da Universidade Columbia, Alexandre Schneider considera que uma lição de outros países que pode ser adaptada para o Brasil no período de pandemia é a de dar mais flexibilidade para o currículo, olhando para 2020 e 2021 na prática como um ano letivo só. Assim, a defasagem de conteúdo poderia ser recuperada em um tempo maior, evitando que uma criança seja injustamente reprovada ou passe de ano sem ter aprendido o necessário.
O Chile definiu algo nesse sentido. O Ministério da Educação local prevê para este ano, além de avaliações constantes e reforço, uma “priorização curricular”, que vai elencar os conteúdos essenciais a serem ensinados em um ano tão atípico, para que as escolas concentrem-se no mais fundamental.
Para Tatiana, é o momento de se pensar um currículo mais enxuto, em que haja espaço não só para as habilidades cognitivas, mas também para as socioemocionais. “Países como Finlândia e Cingapura já estavam tirando um pouco de conteúdo. Teremos um aumento drástico de desigualdade que pode ser uma oportunidade para a transição para uma educação do século 21.”
No Brasil, por enquanto, a principal ação federal voltada à educação básica na pandemia foi uma medida provisória que permite às escolas cumprir parte da carga de 800 horas por ano a distância, dispensando-as dos 200 dias letivos previstos em lei.
Por ora, não há sinalização sobre mudanças em avaliações e política de reprovação. O governo Jair Bolsonaro decidiu manter a data prevista para o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), sob críticas de secretários estaduais, que apontam prejuízo para os alunos mais pobres.
Diversos Estados começaram programas remotos de ensino via internet e rede de televisão.