Título: Tempo desperdiçado,
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Fonte: Jornal do Brasil, 06/04/2008, Opinião, p. A10

MEIO AMBIENTE

NÃO APENAS OS AMBIENTALISTAS, mas todos os cidadãos conscientes da tragédia ecológica que ameaça a humanidade esperavam mais do encontro mundial sobre o clima, realizado semana passada, em Bangcoc. Sob os aus pícios da Organização das Nações Unidas (ONU), diplomatas de 164 países e da União Européia estiveram reunidos por cinco dias para discutir um plano de ação, a ser apresentado até 2009, que substitua e amplie as metas do Protocolo de Kyoto (o tratado internacional ratificado em 1999 com compromissos para a redução da emissão dos gases causadores do efeito estufa e que jamais foi aplicado em sua totalidade, mas expirará em 2012). Diante da cizânia entre países ricos e pobres, não houve uma conclusão sobre quem pagará a conta do aquecimento global. O planeta inteiro perde com isso. A rigor, um dos poucos pontos de concordância foi que qualquer futuro compromisso sobre a redução das emissões de gases nas nações industrializadas deve esperar até que os Estados Unidos tenham um novo presidente. Conforme ressaltou o secretário-executivo da convenção do clima, Yvo de Boer, "há alguns temas que convém deixar para mais tarde, como que tipo de objetivos ou de compromissos os países industrializados aceitarão". O problema é que o planeta talvez já não disponha desse "mais tarde". A principal dificuldade é a de sempre: como distribuir o sacrifício. A União Européia quer uma meta de corte de 25% a 40% das emissões até 2020 (em relação aos níveis de 1990). O Japão quer estabelecer metas não nacionais, mas por setor da economia. Os EUA, maiores emissores do mundo, resistem a metas nacionais obrigatórias enquanto "gigantes" como China e Índia não as adotarem. Some-se a isso o fato de que o presidente George Bush (que deixa a Casa Branca em janeiro do ano que vem) ao longo de seus oito anos de poder sempre se negou a ratificar o Protocolo de Kyoto. Enquanto a discussão oficial empaca em questões po lítico-econômicas, notícias recentes reforçam a urgência de ações imediatas. Estudo internacional publicado na revista especializada Proceedings of the National Academy of Sciences afirma que a floresta amazônica pode "morrer" em 50 anos, devido às mudanças climáticas provocadas pelo homem. Segundo o levantamento de cientistas britânicos, muitos dos sistemas climáticos do mundo poderão passar por uma série de mudanças repentinas neste século, por causa de ações provocadas pela atividade humana. Os pesquisadores ar gumentam que a sociedade não se deve deixar enganar por uma falsa sensação de segurança dada pela idéia de que as mudanças climáticas serão um processo lento e gradual. Outro estudo, publicado pela revista Science, alerta para a degradação dos oceanos (provocada pela ação humana), que alcançou níveis estarrecedores nas últimas décadas. Para se ter uma idéia da extensão dos estragos, apenas 4% dos mares da Terra ainda estão intactos. E quanto maior a presença humana junto a uma região marítima, maior é sua degradação ambiental. Como três quartos do planeta são de oceanos e mares ­ e esses imensos reservatórios de água são responsáveis pela regulação da umidade atmosférica e do ciclo das chuvas, pela formação de nuvens e por abrigar mais de 250 mil espécies animais e vegetais ­ percebe-se que a degradação de um nicho ecológico tão complexo representa risco para a própria sobrevivência da espécie humana. Diante de sinais tão claros de perigo, é inaceitável que os governantes percam mais tempo. Torna-se imperativo su perar as barreiras e chegar a um consenso. Pelo bem da humanidade.