Título: Força de paz corre risco antes do início da missão
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 06/04/2008, Internacional, p. A28

Tropas sofrem com falta de efetivo e material, como veículos de combate Lydia Polgreen THE NEW YORK TIMES Enquanto Darfur ainda vive as conseqüências da ofensiva de um novo governo, uma força de paz, reivindicada por muito tempo e que, esperava-se, fosse a maior do mundo, corre o risco de falhar mesmo antes de começar sua missão por conta de atrasos burocráticos, ataques do governo do Sudão e a relutância de países que deveriam mandar soldados para um conflito em curso. A força ­ uma ação conjunta da União Africana e da ONU ­ assumiu uma tropa exausta da União Africana em Darfur em 1º de janeiro. Hoje, tem cerca de 9 mil soldados e policiais, quando o esperado eram 26 mil. O efetivo não será aumentado até o fim do ano, diz a ONU. Mesmo as tropas que já estão em seus postos ­ a antiga força da União Africana e dois outros batalhões ­ sofrem com a falta de material essencial, como veículos de combate e helicópteros, para cumprir as missões de paz mais elementares. Sol

Medo toma conta de cidades atacadas pelo governo sudanês Numa manhã de domingo, Ab- dullahi, oficial nigeriano de 34 anos que esteve em missões de paz em Serra Leoa e Libéria, leva soldados para visitar Abu Sorouj, uma das cidades arrasadas por recente ofensiva do governo a Oeste de Darfur. A cidade fica a apenas alguns quilômetros, mas a viagem leva três longas horas. Abu Sorouj foi atacada quase um mês antes da visita, e a maioria dos moradores foi embora. Segundo eles, impedidos por autoridades do Chade de ir para acampamentos de refugiados. Em poucos dias, alguns estavam de volta, com medo de perder sua terra se ficassem muito tempo morando nos campos de desabrigados. Os poucos líderes da cidade que ficaram, imploram para transmitir suas queixas ao militar. Árabes armados, que os moradores chamam dejanjaweed, chegam ao amanhecer e ao anoitecer para roubar o pouco que restou. As mulheres não podem pegar água no rio. Os homens não podem deixar a cidade para colher madeira e construir abrigos. Um dos líderes informa que as patrulhas afastam os janjaweed por dois ou três dias. Abdullahi responde que o número de soldados é insuficiente para o patrulhamento mais freqüente. A conversa pára quando um veículo com soldados do governo aparece. Um oficial salta, sorrindo, estendendo a mão. Tenso, depois de troca de gentilezas, pergunta por que a força de paz estava ali. ­ O lugar é seguro ­ garante o oficial, major Amar Ibrahim. ­ Temos patrulhas para expulsar mesmo os árabes que vêm em camelos e cavalos e perturbam as pessoas. Abdullahi sorri: ­ Realmente apreciamos seu trabalho ­ diz ao militar, com a ajuda de um intérprete. ­ Mas precisamos pedir que vocês façam mais. As pessoas ainda não se sentem seguras. Apesar do acordo que permite que as forças de paz movimentem-se livremente, a realidade é que os soldados do governo reclamam de sua presença. Abdullahi conta que precisou ter cuidado para não excluir esses militares. Por ter um número limitado de homens, precisa contar com os soldados sudaneses para ajudar a garantir a segurança. ­ A verdade é que precisamos trabalhar com eles ­ revela. ­ Não nos faz nenhum bem contrariá-los. À flor da pele Mas a relação tem sido pro- blemática desde o início. Em janeiro, soldados sudaneses atiraram num comboio de suprimentos das forças de paz, um ato condenado em todo o mundo. Um comandante regional depois pediu desculpas pelo que chamou de erro, mas os tiros deixaram os nervos à flor da pele. Abdullahi olha para o relógio. É meio-dia, ele tem de ir embora. Os veículos militares, doados à União Africana pelo governo canadense e sacrificados por anos pelas condições precárias em Darfur, já estavam ligados. Dois pneus furados e problemas no motor tinham tornado a viagem para Abu Sorouj lenta. Mas ele não pode correr o risco de ficar imobilizado no caminho de volta. Promete aos líderes da cidade que voltaria logo, mas não pode garantir quando.

"Dinheiro não é problema", diz chefe de missão civil Não está claro como o aumento do número de soldados em Darfur pode ser acelerado. Ativistas ocidentais preocupados com Darfur reivindicaram que a China, maior parceiro comercial do Sudão e um de seus fornecedores de armas, pressione o país para permitir o envio de mais militares. Enquanto o governo sudanês é responsabilizado pelo atraso, as exigências da ONU para que as tropas atinjam determinado padrão retardam o processo. O envio de tropas "não está atrasado principalmente pelo governo sudanês", diz um diplomata ocidental, em Cartum, capital do Sudão. Ele aponta problemas como a burocracia da ONU e a relutância de outros países em mandar soldados também têm parcela de culpa. Orçamento Com certeza não falta dinheiro. Rodolphe Adada, da República do Congo, chefe da missão civil, conta que as forças de paz têm orçamento de US$ 1,7 bilhão. O que é preciso é de soldados e equipamento, e nenhum dos dois tem sido fácil de conseguir. Mas pressão no governo sudanês, segundo ele, não ajudaria. ­ Que pressão mais pode ser feita no governo sudanês? ­ questiona. ­ As decisões já foram tomadas. Não há mais nada a dizer. Precisamos agir. Adada diz que países se recusam a designar tropas para um conflito em curso sem nenhum acordo de paz ou mesmo um cessar-fogo em vista.

A paz é mais necessária do que nunca: cerca de 30 mil pessoas já foram desalojadas

Não temos muito tempo para provar que podemos fazer melhor. As pessoas só vão ter fé quando virem avanços. Não dá para esperar por mais soldados. Precisamos fazer o melhor com o que temos Ballar Keita, general de brigada

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Que pressão mais pode ser feita sobre o governo sudanês? É preciso soldados e equipamento, e nenhum dos dois é fácil de conseguir. As decisões já foram tomadas. Não há mais nada a dizer. Precisamos agir. Rodolphe Adada, chefe da missão civil

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A missão tem um objetivo específico: proteger civis. Mas falar é mais fácil do que executar

Cartum dificulta o progresso na segurança O progresso para manter a missão tem sido lento, e muito da culpa tem sido atribuída ao governo sudanês. Meses depois de o Conselho de Segurança da ONU ter aprovado as forças de paz, o Sudão insistiu em estabelecer limites na formação e na independência do grupo, exigindo o poder de escolher que países iriam enviar soldados, de bloquear o sistema de comunicação quando o governo fizesse ofensivas e de restringir a movimentação das tropas à noite. Finalmente, o país assinou um termo de compromisso com a ONU, permitindo que a força atue, mas conseguiu que a maior parte dos soldados viesse de países africanos ­ e o efetivo adicional só virá de outras regiões se militares africanos capazes de cumprir a missão não forem encontrados. Essas exigências atrasaram a missão porque os exércitos africanos não estão normalmente aptos a assumir seus postos com equipamentos e treinamento que atendam aos rigorosos padrões da ONU. Autoridades sudanesas argumentaram que soldados africanos estavam prontos e que militares de fora do continente seriam vistos como invasores colonizadores. Esse problema provocou temores de que a força da ONU iria ter o mesmo destino das tropas da União Africana ­ prejudicada desde o início por ter um objetivo fraco, que era o de promover o cessar-fogo, não o de proteger civis. Os milhares de soldados enviados por Ruandados têm que comprar tinta com o próprio dinheiro para transformar os capacetes verdes em azuis ­ cor das forças de paz da ONU. Desalojados O trabalho de manutenção da paz é mais necessário do que nunca. Pelo menos 30 mil pessoas foram desalojadas de suas casas nos últimos meses, quando o governo e suas milícias aliadas lutaram para retomar território mantido por rebeldes. Muitos dos desabrigados se esconderam por entre os arbustos próximos de suas casas ou foram morar ao relento ao longo da fronteira com o Chade, também suscetível a conflitos e inacessível a voluntários. A maioria queria voltar para suas vilas devastadas e reconstruí-las, mas não se sentiu segura com a presença na região de criminosos e milícias. Passar uma semana com a força de paz no Setor Oeste, no coração do conflito, revelou uma tropa lutando bravamente para fazer melhor do que seus antecessores, tão criticados. Mas com um novo efetivo pequeno e poucos equipamentos. Apesar disso, a força está conseguindo estabelecer uma sensação de segurança para os milhares de civis, vulneráveis no vasto território coberto pelas tropas, com patrulhas noturnas nos acampamentos de desabrigados e nas áreas de conflito. Mas essas pequenas conquistas são frágeis e, se mais soldados não chede Darfur, um total que equivale a apenas um terço do que era esperado para a área. ­ Deus deu aos profetas a habilidade de fazer milagres para que as pessoas pudessem ter fé. Então, as pessoas aqui só vão ter fé quando virem avanços. E não dá para esperar por mais soldados. Precisamos fazer melhor com o que temos. O envio da maior força de paz na história moderna a uma das regiões mais remotas, hostis e proibitivas do planeta tinha tudo para ser um pesadelo logístico. Darfur é isolada, a água é escassa, as estradas são trilhas tomadas por lama e armadilhas de areia nos leitos de rios secos. Mas esses problemas ficam pequenos se comparados com a luta diplomática e política. Quando grandes missões anteriores foram organizadas no Congo, Libéria e Serra Leoa, o governo desses países estava dissolvido ou era tão fraco que não tinha opção a não ser aceitar as forças de paz. No Sudão, o governo só aceitou as tropas da ONU em Darfur depois de um longo processo diplomático e sob enorme pressão. da, Nigéria e Senegal, além de outros países, estavam lá principalmente para proteger os observadores militares, que estavam desarmados, e a polícia civil, também desarmada, cujo trabalho era vigiar os acampamentos de desabrigados. Mas o acordo original de cessar-fogo foi rapidamente desrespeitado, e acertos feitos depois não conseguiram estabelecer a paz. Os soldados africanos logo foram vistos, talvez injustamente, como meros inspetores que visitavam locais que tinham sido cenário de atrocidades depois que as provas já haviam sido removidas e os corpos, enterrados. Muitas vezes colhendo depoimentos que pareciam desaparecer em meio a um buraco negro burocrático. Tudo isso mudou com a nova missão. A força tem um objetivo específico, que é o de proteger civis. Mas falar é mais fácil que executar, como diz o major Sani Abdullanhi, à frente da única companhia responsável por conter milícias e rebeldes para proteger dezenas de milhares de desabrigados em quase uma dezena de acampamentos, além de milhares de moradores de vilas remotas, também vulneráveis. garem logo, a força vai acabar sendo considerada ineficaz e tão comprometida quanto a anterior. ­ Realmente não temos muito tempo para provar que podemos fazer melhor ­ diz o general de brigada Ballar Keita, comandante senegalês de 2 mil soldados no Oeste