O Estado de S. Paulo, n. 47909, 18/12/2024. Política, p. A8

Mudança na comunicação do governo expõe divergências entre Lula e o PT
Vera Rosa

 

 

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva quer construir uma espécie de “arcabouço digital” para a segunda metade de seu governo, que começa em janeiro de 2025. A comunicação é, na prática, a primeira pasta na qual Lula pretende mexer e dar um “chacoalhão” para deter o avanço da extrema-direita nas redes sociais. A mudança não se limita, porém, somente à possível troca do ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom), Paulo Pimenta, expoente da chamada “esquerda” do PT.

Antes de ser internado em São Paulo para uma cirurgia na qual drenou um hematoma provocado por hemorragia intracraniana, Lula já dizia que a comunicação do governo era frágil, sem uma linguagem única, e por isso cada ministro e parlamentar do PT divulgava o que bem entendia.

Até agora, no entanto, não há consenso entre auxiliares da Secom, a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, e a cúpula do PT sobre o caminho a seguir nessa seara. Na prática, Janja exerce muita influência na Secom, principalmente sobre a Secretaria de Estratégia e Rede, e tem autonomia para pedir até mesmo gravações diretamente a ministros. Em 8 de janeiro deste ano, por exemplo, quando a tentativa de golpe completou um ano, Janja bolou um vídeo com ministros, que foi exibido nas redes, no qual todos diziam a palavra “Democracia”.

Não é de hoje que o PT acha que Lula precisa ter mais protagonismo no embate político para investir na polarização com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Mas, após a vitória de Donald Trump nos Estados Unidos, a preocupação com a batalha da comunicação aumentou.

MÚCIO. Dirigentes do partido dizem que o presidente deve fazer mais pronunciamentos em rede nacional de rádio e TV para disputar a narrativa política com os bolsonaristas e destacar a gravidade do que ocorreu no País em 8 de janeiro de 2023. Em outra frente, de acordo com esse raciocínio, ele deveria “enquadrar” os militares e demitir o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro. O presidente discorda.

O publicitário Sidônio Palmeira é cotado tanto para substituir Paulo Pimenta como para ser assessor especial do presidente. Marqueteiro da campanha petista ao Palácio do Planalto, em 2022, Sidônio é o responsável pelo slogan do terceiro mandato de Lula – “União e Reconstrução”. Foi ele também quem preparou o pronunciamento do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sobre o pacote fiscal.

O retorno de Lula a Brasília está previsto para a próxima semana, quando deve se encontrar com Sidônio. O presidente quer conversar com o marqueteiro, que é contra a polarização defendida pelo PT, sobre o melhor modelo a ser adotado para a estratégia digital de sua gestão, a partir de 2025. Tem em mente a ofensiva para o ano eleitoral de 2026, mesmo se não for ele o candidato.

INTERNAÇÃO. Na prática, a própria internação do presidente para uma cirurgia de emergência escancarou as falhas na comunicação do governo. Com fortes dores de cabeça, Lula deixou uma reunião no Planalto com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-AL), às 18h do último dia 9, e foi fazer uma ressonância magnética no crânio, sem que ninguém soubesse.

O exame identificou um sangramento e naquele mesmo dia, por volta de 22h30, ele embarcou com Janja para a capital paulista, onde foi internado no hospital Sírio-Libanês. A imprensa não foi avisada e só soube do que havia ocorrido após a cirurgia, na madrugada do dia 1o, quando o hospital divulgou um boletim médico, o que deu margem a várias especulações sobre a saúde do presidente.

Na tarde do dia 11, uma notícia dando conta de que Lula seria submetido a novo procedimento no dia seguinte provocou mais apreensão e houve muitas críticas ao governo pela falta de informação.

Em Brasília, integrantes da Secom culparam médicos pelo “vazamento”. Logo depois, a pedido de Lula, o cardiologista Roberto Kalil Filho foi conversar com os repórteres que faziam plantão no hospital. Disse que a equipe já previa aquele complemento cirúrgico, um tipo de cateterismo para evitar novos sangramentos. “Vamos com calma, nada aconteceu. Respirem fundo, por favor”, afirmou Kalil aos jornalistas, diante de falsos rumores sobre o agravamento do estado de Lula.

PORTA-VOZ. Uma ala do governo quer agora que o presidente recrie o cargo de porta-voz. No primeiro mandato, quem ocupava esse posto era o jornalista André Singer; no segundo, o diplomata Marcelo Baumbach. O argumento usado por quem defende a escalação de um porta-voz é um só: blindar Lula e evitar os tiros no pé, como ocorreu em fevereiro, quando ele comparou o ataque de Israel na Faixa de Gaza ao Holocausto.

A não ser que seja convencido a mudar de ideia, porém, Lula não quer ter novamente um porta-voz. E, apesar da bronca endereçada à Secom, também não pretende deixar Pimenta “na chuva”. Deputado licenciado, o ministro deverá ser deslocado para outro cargo na reforma da equipe, prevista para fevereiro de 2025.

Pimenta tem dito que o presidente pode contar com ele tanto no governo como fora. “Este ano de 2024 foi difícil. Tivemos enchentes no Rio Grande do Sul e, depois, o País tomado pela fumaça, com uma seca histórica”, afirmou.

Durante quatro meses, Pimenta – que é de Santa Maria (RS) – comandou a Secretaria Extraordinária criada pelo governo para enfrentar a tragédia das chuvas em território gaúcho. Agora, em

Apesar de parte do PT defender a volta de um porta-voz da Presidência, Lula se mantém contra a ideia 2026, ele pretende concorrer ao Senado por seu Estado e assegura não estar magoado com Lula. “O presidente é muito autêntico, fala o que pensa. Eu compartilho da preocupação dele com a comunicação”.

Em setembro, a Secom teve de cancelar uma licitação para um contrato de comunicação digital, no valor de R$ 197,7 milhões por ano. Dois meses antes, o Tribunal de Contas da União (TCU) havia suspendido a concorrência por indícios de quebra do sigilo das propostas após o site O Antagonista publicar nas redes sociais, de forma cifrada, as iniciais das quatro empresas vencedoras.

LICITAÇÃO. O governo fará outra licitação, mas o processo ainda está sob análise jurídica. “Eu acho que o presidente precisa mudar o ministério” disse o deputado Jilmar Tatto (SP), secretário de Comunicação do PT. “É preciso que todo mundo fale a mesma linguagem, mas hoje isso não está acontecendo.” Na avaliação do deputado Rogério Correia (PTMG), é injusto culpar Pimenta por todos os problemas do governo. “Quando as coisas não estão bem, não há comunicação que resolva”, argumentou. “A comunicação não pode ser responsável pelo conteúdo.” •