Título: Sob a sombra do general
Autor: Arêas Camila
Fonte: Jornal do Brasil, 17/04/2008, Internacional, p. A21
Arquivo ABC Color LEMBRANÇA Em 2003, paraguaios foram às ruas comemorar os 91 anos de Stroessner, exilado no Brasil O que o levou a candidatar-se ao Senado? - Pareceu-me interessante parti- cipar ativamente agora, em uma situação na qual o Partido Colorado se vê debilitado por muitas questões de má administração, acusação de corrupção e má administração. Era preciso estar presente, ter voz e voto no partido. E fico alegre de ouvir as pessoas dizendo que a figura do general Stroessner segue viva na memória. E por que acredita que con- tinua viva? O cidadão normal compara. Per- gunta: "Vivo melhor agora do que antes?". A resposta é um contundente "não". Apesar do autoritarismo, o regime teve coisas muito boas, as pessoas viviam muito melhor que hoje. São 19 anos desde a saída de Stroessner da Presidência e de piora da qualidade de vida dos paraguaios. Enquanto a situação não melhorar, cada vez vai haver mais comparação, e a figura de Stroessner vai seguir mais viva. Vivemos em uma suposta democracia que nunca termina de ser transição. Há liberdades essenciais, mas às pessoas preocupa o estômago, a educação, a segurança. Neste sentido, o único ganhador é Stroessner. É um peso ou um bônus car- regar Stroessner no nome? Um bônus. Recebo mais carinho do que qualquer outra coisa. Ainda mais na política, que estou muito exposto à opinião pública. Peso nenhum. Bônus, sim, mas agregado a um enorme grau de responsabilidade porque levar o sobrenome Stroessner requer continuar a dar o exemplo, ser o que as pessoas que votaram em mim esperam, manter uma postura honesta, sempre direta, sem ambigüidade. Daquilo que lhe falava Stroess- ner, o que mais lhe chamava a atenção? - O amor incomensurável pelo Pa- raguai, pelos paraguaios, pelos seus costumes, pelo que é ser paraguaio, pelo o que é a raiz desta terra do meio da América do Sul, com tantas histórias sofridas de guerra e vicissitudes negativas. Enfim, uma entrega total porque meu avô deu toda sua vida ao Paraguai. Mesmo nos 18 anos em que viveu exilado em Brasília, sempre estava a par de tudo que ocorria. Há espaço para que o stro- nismo se fortaleça ainda mais? Não estou aqui para fazer crescer o stronismo. A memória que o povo em geral tem de Stroessner, colorados e não-colorados, é intocável. Não vou fazer nem mais, nem menos. Tenho de mostrar que valho não por ser neto de Stroessner, mas pelo que posso fazer pelo meu povo, país, pelo futuro do meu partido e pelo bem-estar do Paraguai. Não estou aqui para reivindicar sua figura. Esta já está instalada no governo, digo, no coração de toda a gente. Você pensa em um dia con- correr à Presidência? Tudo é possível. Tive oportu- nidade de ser candidato a vice-presidente nas últimas internas, mas não era o momento. E acho que foi a decisão de entrar na lista do Senado foi correta. Cada coisa a seu momento, não é preciso se apressar. O general Stroessner me dizia sempre que aquele se apressa, se afoga. Tenho 39 anos e espero ter muitos mais na política. Se as condições se apresentarem, por que não? É uma responsabilidade enorme, e se alguma vez for votado pela maioria dos paraguaios, será uma honra servir a este grande nobre e sofrido povo paraguaio que tanto bem merece. E por que Goli? É um apelido de criança, de quando eu estudava em um colégio muito religioso e costumávamos fazer representações teatrais de histórias bíblicas. Sempre fui o mais alto da classe e tinha uma companheira de colégio que era a menorzinha. Então, dizem os amigos, porque não me lembro, que fizemos uma vez o teatro de Davi e Golias. Eu fui Golias e ela, o Davi. A relação próxima que você tem com o Brasil se estende aos partidos políticos? Não, aos partidos não. Mas com o Brasil e o que representa historicamente seu governo e a política do Itamaraty. Sempre concordamos em muitas coisas. Tenho um tio que vive em Brasília. Temos um carinho muito especial pelo povo e governo brasileiros. Acho que o Brasil está destinado a ser muito maior em peso político internacional. Espera-se, e tomara que seja, um líder na América Latina rumo ao que queremos, que é viver em desenvolvimento, paz e progresso.
Lugo lidera as intenções de votos, Blanca em terceiro O clima eleitoral era tenso on- tem no Paraguai, onde Blanca Ovelar encerrou uma campanha que pode ser o fim de décadas de poder para o Partido Colorado. E com o ex-bispo progressista Fernando Lugo cada vez mais triunfante. A candidatura da ex-ministra da Educação será marcante. Blanca pode se tornar a primeira mulher presidente do Paraguai, como também corre o risco de ser a primeira candidata do Partido Colorado a perder a Presidência, em 60 anos. Por outro lado, Lugo buscou exibir uma imagem de confiança. Em uma aparição na televisão, ontem, diante do palácio do governo, falou sobre recuperar o orgulho de ser paraguaio. A campanha teve acusações de corrupção. Os candidatos opositores acusaram o governo de usar recursos públicos para apoiar a sua candidatura. No entanto, a corte eleitoral afirmou que as eleições serão "absolutamente transparentes". Lugo aparece em primeiro lugar numa pesquisa divulgada ontem pelo jornal La Hora, com 34% das intenções de voto. Em seguida está o general Lino Oviedo, com 29%, e a ex-ministra Blanca, com 28,5%. Camila Arêas LEGADO Neto será senador Camila Arêas ASSUNÇÃO O ditador que controlou um regime militar de 34 anos no Paraguai como candidato único do Partido Colorado continua vivo, pelo menos em presença institucional: a estrutura do Estado foi construída pelos colorados, que dividem seus 60 anos de poder em uma linha temporal pontuada pelas eras pré e pós-Alfredo Stroessner. E o maior nome da história nacional tem descendente político direto: seu neto, também Alfredo Stroessner, é candidato ao Senado com vitória certa no pleito de domingo e pensa em, no futuro, concorrer à Presidência. Se Goli, como é carinhosamente chamado entre os colorados, fosse presidenciável, "a eleição já estaria decidida", ilustra um partidário. O movimento stronista é hoje a terceira bancada do Partido Colorado em número de partidários Stroessner tem 70% de aprovação popular. É considerado o melhor presidente da História recente do Paraguai. No imaginário popular, representa tempos de bonança, lucros de Itaipu, estabilidade, segurança. Admitida, a repressão stronista aos direitos humanos e à liberdade acabou suplantada pela corrupção do atual modelo democrático. Muitos analistas sublinham: a transição democrática paraguaia não terminou. As pessoas que estavam no governo Stroessner foram as mesmas que conduziram a transição. A ponto de o ditador, quando exilado em Brasília, ter olhado para uma foto do gabinete de Assunção e dizer: "Estão todos. O único que falta sou eu". Os países da América Latina viram o fim da ditadura trazer de volta a democracia. Isto não aconteceu aqui porque não havia democracia antes - ilustra o politólogo Alejandro Vial. O voto não garantiu a democracia. A maior queixa da oposição é que o Estado, ainda hoje, concentra tudo de forma autoritária. A corrupção e a institucionalidade conservadora se mantiveram. A própria candidata colorada, Blanca Ovelar, tem como mote de campanha "finalizar a transição", que ela diz representar. A herança dos 35 anos de regime Stroessner é a "total ausência de uma formação política", resume o sociólogo Henrique Chase: - Os partidos não contam com uma massa crítica. A verticalidade criada foi muito forte. Assim, os inimigos da ditadura, que denunciavam a corrupção, caíram no mesmo pecado. Não tiveram os instrumentos para conduzir a nação.