Título: Empresários e `socialistas¿ contra a reforma?
Autor: Eliezer Pacheco e Dilvo Ristoff
Fonte: Jornal do Brasil, 16/02/2005, Opinião, p. A11

Os jornais da semana passada causaram surpresa ao veicular, conjuntamente, as manifestações dos grandes empresários do ensino superior, acusando a reforma de estatizante, e de um representante dos docentes das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), que a classificava de privatista. Certamente alguém está equivocado, afinal é impossível ela ter, ao mesmo tempo, dois objetivos antagônicos. Para o presidente do Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior de São Paulo, Hermes Figueiredo, a reforma é ¿inoportuna, inconstitucional, irrelevante e uma intervenção estatal na iniciativa privada¿. Já Rodrigo Dantas, presidente da Associação dos Docentes da UnB, afirma: ¿O modelo de universidade que dela emerge em articulação com as políticas implementadas ao longo de 2004, revela sua afinidade com a agenda do Banco Mundial e sua coerência com as políticas privatistas desenvolvidas pelo MEC desde Collor e Cardoso¿.

Ao analisarmos os dois artigos, observamos que os empresários do setor leram o projeto e, legitimamente, buscam preservar seus interesses privados. O professor Dantas, no entanto, parece não ter lido a proposta, ou a leu e tenta manipular a opinião pública enfeitando seus argumentos com citações de Marx e jargões acadêmicos. Expressa o conservadorismo de um setor da universidade que domina o vocabulário marxista, mas que, ideologicamente, está no campo de uma pequena burguesia elitista e corporativa. Assim, o professor atribui à reforma a introdução de um ¿capitalismo acadêmico¿, mas omite que a mesma busca colocar um limite às fundações universitárias, algumas delas exemplos típicos de capitalismo acadêmico e de privatização por dentro da universidade.

A proposta de reforma da educação superior, submetida à discussão da sociedade, está centrada num futuro sonhado por muitas gerações de brasileiros: um país soberano, justo e democrático. O que se propõe está muito além de reformas pontuais em nossas instituições físicas, acadêmicas, administrativas ou político-financeiras. É uma transformação que já começou há algum tempo, por meio de várias medidas, como o novo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), que no ano passado avaliou 2.747 cursos de graduação; o Programa Universidade para Todos (ProUni), que levará 112 mil estudantes a 1.135 instituições de ensino superior no primeiro semestre de 2005; a aprovação do plano de carreira para os técnicos administrativos; a criação de novas universidades federais e de novos campi para as já existentes; a ampliação do corpo docente das Ifes; entre muitas outras.

Além disso, a reforma proposta garante que as universidades terão, enfim, a autonomia de gestão financeira preconizada na Constituição, mas nunca colocada em prática. Terão asseguradas dotação global de recursos, irredutibilidade nos repasses e sua expandibilidade projetada, livrando-se de amarras burocráticas e financeiras que inibem a autogestão, repelem a autonomia administrativa e acadêmica e forçam a privatização do espaço público. A essas ações somam-se outras - estruturantes - fundamentais à construção de um sistema nacional de educação superior comprometido com um projeto de nação. A universidade encastelada, elitista, distante da sociedade, ensimesmada está, portanto, em processo de extinção. Ganha agora definição a universidade aberta, democrática, contemporânea, inclusiva, preocupada com a disseminação e a produção do saber, com a realidade do nosso presente e com o sonho de nosso futuro.

A reforma concebe a educação superior, bem público essencial, como estratégica para o País. Ela é, pois, uma inarredável missão pública e precisa, por isso mesmo, de salvaguardas que a protejam do laissez-faire, das fábricas de diplomas, das fábricas de credenciais, do comércio educacional, seja ele nacional ou internacional. Para que se materialize de forma orgânica e eficaz, precisa de uma visão de futuro, como a lançada a público pelo ministro Tarso Genro e abraçada por todas as lideranças acadêmicas do país. Para que o debate seja democrático e positivo, é necessário fundar-se em argumentos legítimos e sérios, tendo por norte os interesses da nação e não de segmentos ou corporações.

*Eliezer Pacheco é presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). Dilvo Ristoff é diretor de Estatística e Avaliação da Educação Superior do Inep.