Título: PF começa a ocupar toda a reserva
Autor: Quadros, Vasconcelo
Fonte: Jornal do Brasil, 23/04/2008, País, p. A5

Estratégia inclui até delegacia. Principais alvos são o prefeito e as ONGs estrangeiras

BRASÍLIA

Inteligência sabe que dois militares deram treinamento de guerrilha para fazer resistência

Qualquer que seja a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o formato da Reserva Raposa/Serra do Sol, o governo decidiu transformar a região no primeiro grande alvo de ocupação institucional da Amazônia. A Polícia Federal vai instalar uma delegacia dentro da reserva e fará uma verdadeira limpeza para afastar da área de 1,7 milhão de hectares os grupos que ­ a pretexto de lutar pelas causas indígena e meio ambiente ­, transformaram a região em palco de disputas ideológicas e interesses políticos ou econômicos. O principal alvo é prefeito de Pacaraima, Paulo Cesar Quartiero, em torno do qual gravitam os ingredientes que resultaram, na semana passada, na crise envolvendo o gabinete do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o Exército. O setor de inteligência da Polícia Federal já reuniu informações suficientes para concluir que a parte do território de Roraima na fronteira com a Venezuela é uma espécie de barril de pólvora, cujo pavio está nas mãos de Quartiero. Rico, poderoso e desafiador, o prefeito está de olho no vácuo gerado na polícia local com a morte do ex-governador Ottomar de Souza Pinto e não esconde de ninguém que, além de controlar fazendas de produção de arroz também na Venezuela, flerta com político e militares ligados ao presidente Hugo Chávez. Discurso nacionalista O que mais preocupa a Polícia Federal, no entanto, é o poder de articulação ou a aceitação de seu discurso nacionalista por setores do Exército brasileiro, que simplesmente se recusou a colaborar com a ação da Polícia Federal na operação de retirada dos não-índios suspensa pelo STF. A polícia tem os nomes de pelo menos dois militares que fizeram treinamento de guerrilha na região. Mas sabe também, segundo fontes do órgão, que outros oficiais da reserva agiram em sintonia com o governo de Roraima e arrozeiros para bombardear a política indigenista do governo em outras regiões de fronteira. A Raposa/Serra do Sol seria apenas uma das pontas. O maior risco é que, emendada com a Venezeula, formaria uma faixa dominada por grupos sobre os quais o governo não tem controle. Único órgão com atribuição constitucional para agir em área indígena, a PF colocou na alça de mira os dois grupos que mais problemas têm causado na região: os arrozeiros e as organizações não-governamentais estrangeiras com atuação suspeita dentro da área indígena. A estratégia é evitar que a política indigenista atacada pelo chefe do Comando Militar do Planalto, general Augusto Heleno, seja usada para justificar as críticas que apontam interferência externa na região. A Polícia Federal abriu cinco inquéritos para apurar os atentados supostamente patrocinados pelos arrozeiros, mas fará um pente-finonas entidades que há anos agem ao longo dos cerca de 100 mil quilômetros quadrados que compreendem as reservas Raposa/Serra do Sol e a Yanomami. A região concentra também uma das maiores reservas de ouro, diamantes e minerais estratégicos do mundo, cuja exploração poderá provocar uma nova crise dentro do próprio governo: é que o Projeto de Lei propondo a exploração mineral em área indígena ­ amplamente bombardeado pelas lideranças indígenas e ONGs em geral ­ é de autoria do líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), que já foi presidente da Funai. Jucá é acusado pelos índios de defender interesses das mineradoras multinacionais. Em discurso no plenário, ontem, o senador Jefferson Peres (PDT-AM) atacou o decreto do governo e afirmou que a reserva em área contínua cria riscos de separatismo. ­ A área de Kosovo foi da Sérvia, mas bastou uma declaração unilateral de independência para a Comunidade Européia reconhecer o novo Estado. E agora vemos que os defensores da reserva de forma contínua não aceitarão que a demarcação não deve ser contínua. Isso é muito grave ­ disse o senador.