Título: Diplomacia deve basear-se no diálogo
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 24/04/2008, País, p. A8

A VITÓRIA DO EX-BISPO Fernando Lugo à Presidência paraguaia é motivo de comemoração para a política sul-americana, que ainda luta para lidar com as conseqüências de décadas de ditadura militar. Ao mesmo tempo, impõe um desafio para a diplomacia brasileira: convencer o novo governante que o Brasil não é um explorador, imperialista dentro do próprio continente, que paga a Assunção um preço irrisório pela crucial energia gerada pela usina hidrelétrica de Itaipu. A tarefa não será fácil, mas deve ser tratada com acuidade e esmero, sob pena de abrir fissuras numa região historicamente propícia ao desequilíbrio institucional. Lugo conseguiu a façanha histórica de encerrar um ciclo de 60 anos de governo absoluto do Partido Colorado. Com o feito, devolve aos paraguaios uma centelha de esperança havia muito tempo perdida. Mas o tamanho das expectativas é proporcional às incertezas que virão ­ internas e externas. Os problemas domésticos são eloqüentes: pobreza, desemprego e corrupção em alto grau. E certamente conduzirão o novo presidente a uma ação externa mais enfática. É aí que mora o perigo. Logo no dia seguinte à vitória, ainda de "ressaca" pela festa que tomou as ruas de Assunção, Lugo, ao falar de seu sonho por uma "América Latina unida, sem fronteiras", fez questão de enumerar os "países-irmãos". Citou quase todos, da Argentina de Cristina Kirchner ­ a mesma que compra do Brasil o excedente de energia de Itaipu repassado pelo Paraguai ­ à Nicarágua de Daniel Ortega, incluindo a Venezuela, Bolívia e Chile. Deixou o Brasil de fora. No mesmo dia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviou uma nota de felicitação a Lugo, pela conquista da Presidência, na qual diz que "em um período de mudanças, Sua Excelência poderá contar com o apoio solidário e a amizade do Brasil e de meu governo". A resposta veio em seguida e mexeu em outra ferida entre Paraguai e Brasil: a disparidade de papéis e benefícios no Mer cosul, antiga reclamação dos governos paraguaio e uru guaio, que se sentem "sem voz" no bloco. Lugo enfatizou sua "sintonia absoluta" com o presidente uruguaio, Tabaré Vázquez, e afirmou que ambos os países compartilham "a mesma idéia de fortalecer a unidade continental e especialmente a integração regional". Em fevereiro, com Lugo ainda em cam panha, ambos se reuniram e repassaram temas da agenda bilateral e referentes ao Mercosul. Este mês, durante a greve dos auditores fiscais da Receita brasileira, o governo do Uruguai reclamou da fila de caminhões que se formava na fronteira com o Brasil, impedidos de transportar as já poucas exportações que o Uruguai faz ao gigante país vizinho. "Não é justo sermos tratados como um parceiro menor", criticou o governo uruguaio. Não há o risco, por enquanto, de Lugo se tornar um "pre sidente-problema", como muitas vezes foi o venezuelano Hugo Chávez, incendiário habitual na região. No entanto, o presidente eleito do Paraguai dá sinais de que não vai arrefecer a exigência de que os termos do Contrato de Itaipu sejam renegociados ­ se não todos, pelo menos os que falam do preço da energia excedente, vendida pelo Paraguai ao Brasil. Sentado à mesa de negociação com Lula, Lugo também poderá dizer o que acha da diferença alfandegária no Mercosul. A visão de imperialista que o Paraguai tem do Brasil não nasceu com Itaipu. Remonta à Guerra do Paraguai ­ quando os brasileiros ajudaram o Reino Unido a destruir quase toda a população masculina em idade produtiva do país. É antiga, mas pode ser sanada agora que a nação vizinha se vê no início da maturidade de mocrática, depois de décadas de golpes, ditadura e fraude eleitoral institucionalizada. Convém à diplomacia brasileira abrir-se ao diálogo para que a tensão que costuma ser gerada por Chávez não ganhe uma filial no Cone Sul