Título: Governo quer enquadrar Sistema S
Autor: Bruno, Raphael
Fonte: Jornal do Brasil, 07/04/2008, País, p. A3

Entidades gastam R$ 3 bi em custeio e repasses a sindicatos são investigados pelo TCU Raphael Bruno BRASÍLIA As entidades do Sistema S, criadas para promoverem a qualificação profissional e ações de bem-estar para o trabalhador, gastam algo em torno de R$ 3 bilhões anuais em despesas de custeio administrativo. Os recursos equivalem a aproximadamente 25% do orçamento total de órgãos como Senai, Sesi, Senac e Sesc. Nos últimos anos, essas entidades têm estado na mira do Tribunal de Contas da União (TCU). Entre os principais problemas apontados pela fiscalização, alguns dos mais recorrentes envolvem a transferência indevida de recursos para sindicatos patronais. A legislação brasileira atual estabelece que os recursos para a sustentação do sistema são oriundos de contribuições mensais das empresas, encarregadas de recolher para o sistema o equivalente a 2,5% da folha de pagamento. Na semana passada, o governo anunciou que pretende enviar até o fim do mês uma proposta de reforma do Sistema S. Entre as principais mudanças previstas, está a alteração de como os recursos são repartidos entre as unidades da federação. Hoje, essa divisão segue a lógica da arrecadação tributária. Cada Estado recebe uma quantia proporcional ao que as empresas instaladas em seu território recolhem. Mas o governo pretende ampliar o número de vagas em cursos gratuitos de formação profissional e estimular a competição entre os estados. Fundo Nacional Para isso, de acordo com o projeto anunciado pelos ministros da Educação, Fernando Haddad, e do Trabalho, Carlos Lupi, os recursos seriam todos reunidos em um só fundo nacional, o Fundo Nacional de Formação Técnica e Profissional. A distribuição entre os estados seguiria o seguinte critério: 80% de acordo com o número de vagas gratuitas ofertadas, 20% de acordo com a população economicamente ativa. Os Estados de economia mais forte aparecem no topo da lista de vagas ofertadas pelos serviços nacionais de aprendizagem (veja quadro). A exceção é Santa Catarina, que ocupa o segundo lugar no ranking, atrás apenas de São Paulo, mas a frente de estados como Rio de Janeiro, Paraná e Minas Gerais. Estímulo A medida do governo poderia funcionar como um estímulo às entidades para reduzir gastos administrativos e concentrar investimentos na oferta de vagas gratuitas. O Ministério do Trabalho, a quem supostamente as entidades do Sistema S deveriam prestar contas, não sabe precisar quanto é repassado a cada unidade da federação e a cada órgão integrante do conjunto do sistema. Mas levando-se em conta apenas os dados publicados pelas quatro entidades da Indústria e do Comércio, as duas áreas responsáveis pela maior parte da arrecadação do sistema, praticamente R$ 1 em cada R$ 4 gastos pelos órgãos do sistema têm como destino despesas de natureza administrativa. De um total de R$ 5,17 bilhões gastos por Senai, Sesi, Senac e Sesc em 2007, R$ 1,34 bilhão foi para custeio administrativo. A estimativa oficial do governo é de que os recursos do Sistema S somem R$ 12 bilhões anuais. Mantida a média para as entidades menores do sistema, algo em torno de R$ 3 bilhões é gasto todo ano apenas para manter a estrutura administrativa das entidades.

Um mar de ressalvas nas análises de contas No Tribunal de Contas da União (TCU), os balanços orçamentários de entidades do Sistema S são freqüentemente alvo de ressalvas ou mesmo reprovação por parte dos ministros. Não são poucos os casos de irregularidades financeiras no relacionamento com as federações empresariais. Até 2006, os recursos das entidades do Sistema S não podiam ser utilizados pelas federações e associações empresariais. Mas, em 2000, investigação do TCU revelou que despesas da Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc) foram pagas com recursos dos Senai e Sesi locais. Na realização de cerimônias da Fiesc, como coquetéis e coffes-break, foram R$ 176 mil. O Senai e o Sesi pagavam também pelo aluguel de uma sala na CNI para a Fiesc. E até mesmo pelo IPVA e multa de um veículo da federação. No total, as irregularidades, que se somavam ainda à uma série de gastos suspeitos da própria direção do Senai e do Sesi, como pagamentos de contas telefônicas particulares e fretamento de aeronaves, chegavam a R$ 2,64 milhões. Problema semelhante se repetiria em 2001. Mais de R$ 50 mil foram gastos pelo Sesc/SC no pagamento

Sujeitas às regras da administração pública As entidades do Sistema S, apesar de mantidas com recursos da iniciativa privada, têm como finalidade principal prestar um serviço de natureza pública, estando submetidas às mesmas regras gerais da administração pública. O pressuposto constitucional da sua função é qualificar e contribuir para o bem-estar do trabalhador. Já as federações de indústria e comércio são pessoas jurídicas de natureza e finalidade privada, com o objetivo claro de ser a representação institucional de empresas que atuam em determinado setor da economia. Em 2006, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva alterou a legislação vigente para que um percentual de até 3% do orçamento das entidades do Sistema S pudesse ser transferido para as federações e confederações empresariais. No fim do ano passado, durante as discussões sobre a prorrogação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), o governo sugeriu ao PSDB que poderia reduzir a alíquota de 2,5% paga sobre a folha de pagamento do Sistema S em troca de apoio na votação. Na época, entidades como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e a Confederação Nacional das Indústria (CNI), tradicionalmente contrárias à carga tributária e na época lideranças da tropa de choque contra a CPMF, defenderam com veemência a manutenção da alíquota. O volumoso repasse de recursos do Sistema S para as entidades empresariais justifica a defesa da alíquota. Para se ter uma idéia, somente o Sesi arrecadou, no primeiro semestre de 2007, R$ 1,48 bilhão. Isso significa que algo em torno de R$ 44 milhões podem legalmente seguir rumo aos cofres da CNI e das federações da indústria estaduais. Procurada pelo Jornal do Bra sil , a CNI informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não comentaria o assunto. Ninguém da Confederação Nacional do Comércio (CNC) foi encontrado para falar sobre o tema. A Diretora de Formação Profissional do Senac, Léa Viveiros, disse desconhecer os casos de irregularidades encontrados pelo Tribunal de Contas da União. (R.B.) de cafés da manhã comemorativos dos 50 anos da Federação do Comércio de Santa Catarina. Em 2002, no Amapá, o diretor do Sesi, Rodolfo dos Santos Juares, foi condenado a pagar multa por conceder empréstimo de R$ 150 mil à Federação das Indústrias do Estado do Amapá. Em 2005, o TCU descobriu que a Federação do Comércio do Distrito Federal não havia repassado ao Sesc/DF quantia de R$ 650 mil, relativa a programa de qualificação profissional do Governo do Distrito Federal. E que funcionários do Sesc/DF foram cedidos sem ressarcimento à federação para ajudar na produção da Revista Fecomércio. No parecer, o Ministro e relator do caso, Marcos Bemquerer Costa, lembrava que "falhas consistentes em cessão de pessoal das entidades do Sistema S a Confederações do Comércio, bem como uso conjunto de imóveis e mobiliário, tem sido considerado irregular pelo tribunal em diversas oportunidades". O ano passado também não passou em branco. O TCU encontrou, no Serviço Nacional de Aprendizagem Rural de Alagoas (Senar/AL), transferência irregular de R$ 173 mil para a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Alagoas (Faeal). Os técnicos do tribunal se surpreenderam com o fato de que ambas as entidades tinham, além do mesmo endereço, o mesmo presidente, Álvaro Arthur Lopes de Almeida. (R.B.)