Título: Crise que atingiu Haiti pode se estender a outras nações
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 12/04/2008, Internacional, p. A22

Os distúrbios causados pelo au- mento no preço dos alimentos, que deixou cinco mortos e pelo menos 40 feridos no Haiti, não representarão um recuo no processo de estabilização do país, afirmou ontem o general Carlos Alberto dos Santos Cruz. Mas as manifestações, que o chefe da força de paz da ONU classificou como "parte normal do processo político haitiano" podem deixar a esfera do país caribenho e se tornar mais freqüentes em países em desenvolvimento se líderes mundiais não adotarem medidas drásticas para reduzir esses preços aos pobres. O chefe da ONU para a Alimentação e a Agricultura (FAO), Jacques Diouf, informou que, apesar da expectativa de a produção mundial de cereais aumentar 2,6% este ano, os preços recordes não devem cair. Resultado: os gastos dos países mais pobres com a importação de comida subirão até 56%, o que levaria as pessoas sem alimentos a se rebelar, analisou Diouf. ­ A verdade é que as pessoas já estão morrendo nos levantes ­ alertou ontem o diretor-geral da FAO. ­ Estão morrendo por causa da forma como reagem a essa situação e, se nós não adotarmos as medidas necessárias, há certamente a possibilidade de que morram de fome. Claro que as pessoas não vão ficar paradas esperando morrer de fome. Elas vão reagir. Fatores da crise Além do Haiti, a FAO iden- tificou distúrbios relacionados à falta de alimentos em países da África, na Indonésia e nas Filipinas. A entidade calcula que 37 países enfrentam crises devido aos preços altos. A alta recorde dos preços de produtos como o trigo, o milho e o arroz vem sendo causadas pelo aumento da demanda por alimentos em países em desenvolvimento ­ como China e Índia ­ o uso de terras férteis para produzir biocombustíveis, a queda dos estoques mundiais para o nível mais baixo dos últimos 25 anos e a especulação nos mercados de futuro, entre outros fatores. O general Santos Cruz conta que alguns protestos são acompanhadas de saques e de ataques contra as forças da ONU, comandadas pelo Brasil, e aponta "aproveitadores infiltrados em manifestações pacíficas como os responsáveis pelos episódios de violência". ­ Estamos com 100% do pessoal empenhado a fim de ter o mínimo de danos para o país nesse momento de crise ­ crava o brasileiro, à frente de 7.060 militares, acrescentando que nove deles ficaram feridos ao conter manifestações. ­ Nenhum deles corre risco. Líderes de um grupo de 16 senadores, que estabeleceram um prazo para o primeiro-ministro Jacques-Édouard Alexis deixar o cargo, marcaram uma audiência no Senado para hoje a fim de definir um voto de não-confiança. Analistas acreditam que tal voto seria um golpe considerável contra o presidente René Préval, mas não esmagador. ­ Nossa decisão está tomada ­ reforça o senador Gabriel Fortune, um dos que nesta quinta enviaram uma carta assinada por 16 dos 27 parlamentares, exigindo a renúncia de Alexis, sob acusação de o governo não adotar medidas necessárias para enfrentar a crise. ­ Temos a prerrogativa constitucional de despedir o primeiro-ministro, e decidimos fazê-lo para preservar a estabilidade do país. Santos Cruz afirma que as tensões políticas provocadas pela onda de protestos contra Alexis, não devem criar novos episódios de violência. ­ Eu não vejo isso ­ especula o comandante da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah), que reduziu para "três ou quatro" os locais onde ainda há manifestações violentas na capital Porto Príncipe. O Itamaraty informou que a reunião do Programa Mundial de Alimentos para o Haiti, convocada por iniciativa brasileira, e realizada anteontem, em Roma, arrecadou US$ 5,7 milhões, o que permitirá atenuar a crise de desabastecimento no país pelo período de três meses. Do total arrecadado, o Brasil contribuiu com US$ 200 mil. AFP