Título: Desencontro é antigo, em nome da soberania
Autor: Quadros, Vasconcelo
Fonte: Jornal do Brasil, 20/04/2008, País, p. A3

Os desencontro entre o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com a área militar não é de hoje, mas agravou-se com a posição assumida pelo Ministério das Relações Exteriores, no ano passado, em referendar a polêmica resolução da ONU que abre caminho para reconhecer as comunidades indígenas como nação independente. Por essa tese, a demarcação em área contínua colaria à Raposa/Serra do Sol à reserva ianomâmi, criando um vazio demográfico de cerca de 100 mil quilômetros quadrados no lado brasileiro, que se uniria a outros territórios indígenas na faixa de fronteira da Guiana e Venezuela, uma região com potencial de conflito.

No ano passado a crise aérea e a edição do livro Direito à memória e à verdade ¿ editado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos com o crivo do Palácio do Planalto ¿ colocaram o governo em posição oposta a Aeronáutica e ao Exército.

Críticas antigas

Ao longo do governo Lula os militares vêm criticando a política indigenista por entender que ela facilita a ingerência de organizações não-governamentais (ONGs) estrangeiras nas regiões de fronteira e fragiliza a soberania do país. Militares da reserva reunidos em torno do Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos (Cebres), em estudo divulgado no ano passado chegaram a sugerir a extinção da Funai.

As declarações do general Augusto Heleno condenando a "lamentável e caótica" atuação da Funai abraçam uma tese que vinha sendo discutida nos bastidores e, numa outra linha, acabaram coincidindo com a decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em suspender a operação em que a Polícia Federal consolidaria a reserva em área contínua. Qualquer avaliação sobre o decreto homologatório agora é mero palpite. O STF admite de que pode anular a proposta do governo.

Em vez de acalmar, o impasse é mais um ingrediente para acirrar os ânimos na região. O clima de tensão permanente ¿ agora entre as etnias contra e a favor da reserva em área contínua que a Raposa/Serra do Sol é um barril de pólvora. A Polícia Federal e a Força Nacional de Segurança ocuparam pelo menos quatro pontos estratégicos dentro da reserva, mas o efetivo mantido na área ¿ pouco mais de 200 homens ¿ é insuficiente para garantir a segurança caso haja conflito. (V.Q.)