Título: Criação do Funtep sofre críticas
Autor: Matos, Sérgio Aguiar
Fonte: Jornal do Brasil, 20/04/2008, País, p. A9

Proposta dos ministros Haddad e Lupi é contestada por educadores e empresários.

A proposta de criação do Fundo Nacional de Formação Técnica e Profissional (Funtep), encabeçada pelos ministros Fernando Haddad (Educação) e Carlos Lupi (Trabalho), vem recebendo críticas de educadores e lideranças empresariais no Brasil desde seu anúncio, no fim de março.

A proposta, restrita aos serviços de aprendizagem, centraliza no governo federal as decisões sobre ensino profissionalizante e pressupõe a alteração da divisão e o direcionamento dos recursos arrecadados pelas entidades do Sistema S - conjunto de entidades que presta serviços à indústria, ao comércio e outras áreas da economia. Os recursos, com amparo constitucional, são destinados ao aperfeiçoamento profissional e melhoria do bem-estar social dos trabalhadores. A estimativa oficial do governo federal é de que somem R$ 13 bilhões anuais.

Para o ex-ministro da Educação e deputado Paulo Renato (PSDB-SP), a proposta anunciada preliminarmente pelo governo é radical.

¿ O projeto prevê mudanças profundas, desde alterações nas alíquotas de recolhimento até o destino para aplicação dos recursos ¿ afirma.

O atual ordenamento jurídico brasileiro estabelece que os recursos para a manutenção do Sistema são oriundos de contribuições mensais das empresas, encarregadas de recolher o equivalente a 2,5% da folha de pagamento ¿ 1,5% destinado aos serviços sociais e 1% aos de aprendizagem. O projeto de criação da Funtep prevê a inversão desses percentuais, de 1% para serviço social e 1,5% para aprendizagem.

De acordo com o ex-ministro, outro problema é a centralização das decisões do ensino profissionalizante na máquina pública.

¿ O MEC sempre foi bem com questões do ensino geral, mas nunca superou os desafios do ensino técnico ¿ declara.

Para ele, as eventuais distorções do Sistema S não justificam a criação do fundo, que poderiam ser corrigidas pontualmente.

¿ Os problemas poderiam ser ajustados na própria lei, determinando a gratuidade dos cursos ¿ exemplifica Paulo Renato.

Projeto inoportuno

O vice-presidente do Centro de Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) e presidente do Conselho de Estudos Avançados Fiesp/Ciesp, Ruy Altenfelder Silva, considera infeliz e inoportuno o projeto de criação do Funtep. Para ele, trata-se de uma intervenção indevida sobre um sistema que dá certo.

¿ Tudo que dá certo não deve ser mexido. Os cursos do Sistema S são escolhidos por colegiados das diferentes entidades, e os resultados podem ser comprovados pelos números ¿ argumenta.

De acordo com o projeto, os recursos do Funtep passariam a ser alocados em fundos correspondentes aos setores das entidades - rural, industrial, comercial e de transportes - e sua divisão entre as unidades da federação teria critério diferente. Hoje, cada Estado recebe uma quantia proporcional ao que as empresas instaladas em seu território recolhem. Pela nova proposta, a prioridade para o repasse passa a ser o número de vagas ofertadas.

Para o presidente do Conselho de Administração do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) e ex-presidente do Conselho Federal de Educação, Paulo Nathanael, é boa a iniciativa de ampliar os esforços em torno da educação profissionalizante no Brasil.

¿ O que falta é educação e qualificação técnica para os jovens nos postos de trabalho. Penso que seja uma boa oportunidade de ampliar a rede ¿ afirma Paulo Nathanel.

No entanto, ele tem dúvidas quanto à melhor forma para arrecadar recursos.

¿ Não sei quanto às repercussões que as alterações do Funtep implicarão, tampouco se é correto tirar esses recursos do Sistema S. O que tem que ser feito é investir na educação ¿ diz.

O presidente do Conselho do CIEE também tem dúvidas em relação à centralização das decisões do ensino profissionalizante no âmbito dos ministérios.

¿ De um modo geral tudo isso deve ser administrado por quem vive o problema. A burocratização desses assuntos não beneficia a rede de escolas ¿ afirma.

Em vez de criar grandes conselhos, Nathanel sugere o estabelecimento de comitês com autonomia para conduzir os projetos. De acordo com o Ministério da Educação, o novo fundo busca ampliar a oferta de cursos de formação profissional gratuitos e presenciais, focalizando, principalmente, alunos do ensino médio das escolas públicas e trabalhadores desempregados que recebem o seguro-desemprego. O governo federal, que sinaliza abertamente para a reforma do Sistema S, disse que a nova proposta marca o ponto inicial deste processo.

Não é o que entende a Confederação Nacional da Indústria (CNI), órgão de representação máxima do setor industrial, diretamente impactado pela criação do Funtep. Segundo a entidade, a proposta do MEC põe em risco o atendimento das crescentes demandas da indústria e conseqüentemente sua competitividade, já que implicará a redução da oferta de matrículas em qualificação e aperfeiçoamento. Em comunicado oficial, a entidade alega que "o setor produtivo conhece sua própria demanda, como as soluções para atendê-la". Ainda segundo a entidade, o êxito do Sistema S está fundamentado "na estabilidade dos programas ao longo de 60 anos e contraria os programas públicos brasileiros, que têm a marca da descontinuidade de ações com falha na gestão de recursos, que acaba por gerar problemas educacionais como o analfabetismo e a precariedade das escolas públicas".

Além disto, para a CNI, a proposta de criação do Funtep tem cunho intervencionista e parte de premissas equivocadas (ver box), além de ameaçar romper com uma cultura de atendimento e prestação de serviços de alta relevância para a expansão industrial. Como conseqüência, afirma a entidade, "aumentará o déficit de recursos humanos qualificados, ampliará as desigualdades regionais devido à menor mobilidade do investimento para as novas regiões produtivas e haverá uma crescente desatualização tecnológica das indústrias".

Preocupação

Esta é uma preocupação expressa pelo gerente de Educação Profissional do Senai e membro do Conselho de Educação do Estado de Goiás, professor Manoel Pereira da Costa, que considera uma usurpação o Funtep ser criado com os recursos dos serviços de aprendizagem do Sistema, notadamente, Senai, Senac, Senar e Senat.

¿ O governo quer transformar algo que é da sociedade e que dá certo em algo para o governo. Perde o trabalhador, a sociedade e o Brasil ¿ afirma.

De acordo com o gerente do Senai, a nova proposta irá impactar não só o ensino técnico, mas também o fundamental.

¿ A alteração das alíquotas de 1,5% para 1% dos serviços sociais irão impactar os projetos em andamento, sobretudo àqueles ligados à educação fundamental previstas nos serviços sociais ¿ explica.

Após o período de debate, a proposta para a criação do Funtep, que integra um projeto de lei do governo federal, deverá ser encaminhada ao Congresso. De acordo como ex-ministro Paulo Renato, muito dificilmente será aprovado com rapidez.

Herança varguista

A criação dos organismos do Sistema S, particularmente o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e o Serviço Social da Indústria (Sesi), remonta à década de 1940, ainda no governo Vargas, quando o país iniciava seu processo de industrialização. Quando criado, os organismos do Sistema não tinham como atribuição o atendimento de políticas públicas, mas o atendimento das demandas dos setores da indústria e do comércio. Os serviços técnicos seriam núcleos de conhecimento para satisfazer as demandas de setores profissionais.