Título: É exagero culpar biocombustíveis
Autor: Gombata, Marsílea
Fonte: Jornal do Brasil, 20/04/2008, Economia, p. E1

Secretário da Cepal defende fim de subsídios agrícolas em prol de um comércio mais justo.

Pacientemente, o secretário executivo da Comissão Econômica para América Latina e Caribe das Nações Unidas (Cepal) dedicou mais tempo que o previsto para a entrevista ao JB e brincou: "Você está fazendo uma entrevista para um jornal ou um livro?" Dispondo de cordialidade espirituosa, o economista argentino José Luís Machinea falou ao telefone, de Santiago do Chile, sobre os desafios atuais da América Latina e o dilema que os governos locais enfrentam em relação à política macroeconômica.

Classifica a campanha exclusivamente contra os biocombustíveis exagerada e insiste na análise das altas dos alimentos e do petróleo.

Ao elogiar o desempenho do Brasil como protagonista regional e importante negociador mundial, o ex-ministro da Economia da Argentina do governo Fernando de la Rúa pede cautela com o aumento dos juros, defende restrição à entrada de capitais e aposta na China como parceiro estratégico da América Latina.

A discussão sobre a inflação de alimentos no mundo tem mobilizado organismos como ONU, FMI e Banco Mundial. Em que nível a falta de alimentos afeta a AL?

¿ Acredito que afete o programa de alimentos das Nações Unidas, cuja ajuda humanitária teve um impacto maior. Mas na AL está afetando os setores que claramente consomem mais e atinge países mais pobres da região, como o Haiti nos últimos dias, por exemplo. São países que sofrem por apresentarem mais fragilidade e cujos setores pobres reclamam por alimentos. O problema dos alimentos é um dos fatores, junto com a alta do petróleo, que tem pressionado os preços na região e no resto do mundo.

O que resulta disso?

A conseqüência é um dilema de governos e políticas econômicas que se vêem diante da questão sobre o que deve ser feito. Alguns adotam medidas de controle inflacionário como o aumento da taxa de juros que estamos vendo em alguns países da região. É compreensível a atitude de alguns bancos centrais, mas, por outro lado influi no investimento de capitais e na apreciação do tipo de câmbio. Aí está o desafio da política monetária da AL.

Os biocombustíveis foram apontados como os vilões da inflação dos alimentos. Concorda com a tese?

¿ Eu diria que há muito exagero nesta afirmação. Em alguns aspectos pode ser sustentado, mas deve-se ter em conta que a pressão sobre alimentos tem relação com a demanda mundial que vem crescendo por causa do desenvolvimento e da redução da pobreza em lugares como China, Índia e outros países em desenvolvimento. Há, ainda, questões substanciais como falta de chuva em alguns lugares. Biocombustíveis têm relação com o aumento da demanda de produtos agrícolas, mas é preciso que todas as partes do filme sejam analisadas. Afirmar que a culpa é dos biocombustíveis é um exagero.

A redução de barreiras tarifárias e dos subsídios agrícolas nos EUA e na Europa podem diminuir o problema?

¿ Eu acredito que não. Sou a favor da eliminação dos subsídios na Europa e nos EUA em prol de um comércio mais justo. As barreiras parecem desnecessárias, segundo nossa posição. Mas não necessariamente será um fator que ajude a curto prazo. As nações terão de implementar políticas de integração dos países e junto com organismos internacionais.

Como a utilização de biocombustíveis pode promover o desenvolvimento da América Latina, em especial do Brasil?

¿ No Brasil já se trata de um fator importante essa produção com o uso de técnicas tradicionais. É preciso emprego de muita tecnologia para esse processo e acredito que os biocombustíveis continuarão sendo algo importante para o país. Mas não vejo motivos para que se extrapole. Os biocombustíveis podem ser uma saída aos problemas energéticos, mas sua produção pode pressionar o preço dos alimentos. O que não se pode afirmar é que os biocombustíveis são a solução econômica para todos os países da região. É essencial aprimorar tecnologia para permitir que, para a mesma quantidade de alimentos, possamos produzir mais biocombustíveis no mesmo espaço.

Analistas acreditam que a AL não será tão afetada pela crise americana. É verdade?

¿ Creio que será menos atingida do que seria em outras circunstâncias, pois hoje há muito mais oportunidade para a região. Sem dúvida há uma recessão nos EUA que causará desaceleração do ritmo da economia mundial. Mas o impacto será maior em países que dependem muito dos EUA. Sendo assim, pode afetar mais o México e os países da América Central do que os da América do Sul.

O que a AL deveria fazer para não ser afetada de forma tão direta?

¿ Os países mais afetados serão os que exportam muito aos EUA e estão acomodados a esse mercado. O mesmo se passa com as remessas, que sofrem impacto relativo. Não estamos falando de crise, mas de impactos. Há duas medidas para os governos locais. A primeira é manter a prudência macroeconômica para não ter problemas no mercado financeiro, que aumentem o risco país etc. Há países, como o México, que sem dúvida serão afetados. Nestes, deve-se tentar uma política fiscal anticíclica para aumentar a demanda interna depois de a externa cair muito. Esse é o caso de países da América Central e o México, mas não de casos como o Brasil.