Título: Altiplano peruano corre risco de separação
Autor: Arêas , Camila
Fonte: Jornal do Brasil, 27/04/2008, Internacional, p. A27
Chavista, o Altiplano peruano é também separatista. Encravada na beira do Lago Titicaca, a cidade de Puno inaugurou uma casa da Alba (Alternativa Bolivariana para as Américas) - alternativa latina à Área de Livre Comércio das Américas - sem que o Peru seja signatário. Ondas de protestos contra o governo do presidente Alan Garcia são cada vez mais frequentes na cidade que disseminou casas da Alba pela região Sul, historicamente alienada de Lima, e cujo governador reivindicou separatismo. Na parede das dependências oficiais, em vez de símbolos nacionais, figuram fotos do líder venezuelano, Hugo Chávez. Autoridades da capital vêem uma "ingerência chavista" na região.
Representante da Associação do Povo Aimara e responsável pela casa da Alba de Puno, o peruano Marcial Maydana conta que deixou uma missão humanitária na Bolívia para assumir a casa, que "é produto da união de movimentos sociais":
¿ Desenvolvemos um programa de tratamento oftalmológico para os pobres e outro programa de erradicação do analfabetismo. Médicos cubanos são emprestados da Operação Milagre instalada na Bolívia.
O governo teme a forte dose de ideologia esquerdista que acompanha a ajuda social. A defensoria pública está investigando quais são as operações da casa, e se cumpre as leis de associação civil. O Congresso, por sua vez, analisa os registros bancários e telefônicos das 62 casas Alba instaladas no país por suspeita de ligação com a recente explosão de protestos contra o governo.
Maydana defende que a Alba é integrada por representantes de grêmios e sindicatos, o que leva "o governo nos ligar aos protestos":
¿ Somos uma alternativa ao sistema neoliberal, por isso nos vêem como uma ameaça às suas estruturas de saúde, que só estão em Lima e são caríssimas. Apresentam-nos como subversivos, guerrilheiros, nos vinculam a uma suposta ingerência.
O dirigente diz que o financiamento da casa Alba vem dos municípios interessados em receber suas unidades. Mas para o analista Cesar Reina, "se não há vínculo financeiro com Caracas, há político":
¿ As pessoas da embaixada cubana e venezuelana no Peru estão em constante contato com eles.
Foco de conflito
Os protestos de Puno nasceram de uma greve nacional declarada pelo sindicato de professores, à qual se uniram operários, camponeses e mineiros. As demonstrações cresceram tanto que hoje reúnem milhares em toda a região Sul peruana. A infiltração de grupos terroristas Sendero Luminoso e Patria Roja o tornaram violentos. Em Puno, o aeroporto e a estação de trem foram atacadas. Na quarta-feira, manifestantes bloquearam as estradas e o comércio fechou as portas. As mobilizações estão associadas à imagem do ex-candidato presidencial Ollanta Humala - esquerdista apoiado por Chávez no pleito de 2006.
A lógica é simplista, diz o especialista Luis Miguel Pino Ponce:
¿ Culpa-se o modelo econômico neoliberal do governo pela alta no preço dos alimentos. Sob o guarda-chuva da Alba, encara-se a disputa como a América Latina contra os Estados Unidos e seus satélites latinos, dentre eles México, Colômbia, Chile e o Peru, que se submete ao modelo americano.
Governador chavista
Em Puno, o apoio à Alba é garantido pelo governador, Hernan Fuentes, que promoveu a plantação de coca na região e se diz um "soldado orgulhoso de Chávez". Advogado de prática, Fuentes se intitula um patriota peruano e nega que receba ajuda formal da Venezuela:
¿ Aqui em Puno somos outro país. Não vemos a bonança econômica de Lima. Os benefícios não chegam. Sou tratado como um estrangeiro no meu próprio país.
Depois de chamar a região a declarar independência do governo central, Fuentes chegou a considerar pedir asilo à Venezuela pelo que chama de "perseguição política".
De "forma muito dissimulada Fuentes opera as casas Alba com os fundos do Estado", diz Ponce:
¿ Também registrada como Casa da Amizade Peruana-Boliviana, a casa da Alba é semi-clandestina. Quando a criticam por ser da Alba, simplesmente usam o outro nome.
Fuentes foi eleito com menos de 20% dos votos. Seus adeptos são poucos ¿ 3.400 em uma região de mais de 1 milhão da habitantes ¿ mas são os mais violentos. Temido pelas autoridades de Lima, Fuentes é persona non grata na região pelo histórico de corrupção.
Hernan "é amigo, mas não é da casa da Alba", ilustra Maydana:
¿ Um governante que quer ser do povo não pode ser corrupto. Quem dera que ele nos financiasse. Ele é muito demagogo. Nós fazemos o trabalho e ele aparece.
Presidente do Conselho de ministros do Peru, Jorge del Castillo acompanha de perto a situação e denunciou a "ingerência" de Caracas como uma tentativa de "desestabilizar o país":
¿ O que faz a Alba no Peru? Tal como fez na Nicarágua, Bolívia e Equador, agora o movimento chavista quer trazer sua ingerência para cá. Nenhum país soberano precisa de ajuda de outro por baixo dos panos. Tenho certeza que Chávez não toleraria cartazes do meu partido na Venezuela.