Título: Cerimônia na ONU vira desagravo à indiferença
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Fonte: Jornal do Brasil, 25/01/2005, Internacional, p. A9

Campos da morte nazistas são lembrados como horror ainda vivo

NOVA YORK - Em uma sessão histórica, porém com plenário bastante vazio, a Assembléia Geral das Nações Unidas celebrou o 60º aniversário da libertação do campo de concentração de Auschwitz, durante a II Guerra, tentando prestar contas com um passado de pouca ação para evitar aquele e outros genocídios (termo, aliás, cunhado após o Holocausto). Foi a primeira vez que a ONU fez tal cerimônia, realizada em memória não só aos 6 milhões de judeus exterminados pelo III Reich mas de várias outras milhares de mortes que poderiam ter sido evitadas se a convenção contra esse crime tivesse sido aplicada desde então. A sessão, transformada em um apelo contra a indiferença, foi precedida por um minuto de silêncio, seguido pelos discursos do secretário-geral, Kofi Annan, e do Prêmio Nobel da Paz de 1986, Elie Wiesel, sobrevivente dos campos, escritor e defensor dos direitos humanos.

Annan reconheceu que o mundo, ''para sua vergonha'', não foi capaz de evitar novos genocídios depois de 1945. Camboja, Ruanda, Curdistão, Bósnia e Darfur, no Sudão, foram citados como exemplos em que a comunidade internacional não agiu a tempo.

- Coisas terríveis estão acontecendo agora em Darfur e não podemos nos dar ao luxo de permitir que isso se repita. Peço ao Conselho de Segurança que tome uma atitude - afirmou Annan, apelando à comunidade internacional para que se mantenha alerta contra a barbárie. Na região conflagrada a Oeste do Sudão, milhares de pessoas estão sendo deslocadas à força de suas casas, brutalizadas e assassinadas pelas milícias Janjaweed, grupo aliado do governo de Cartum, sob acusação de serem simpatizantes de rebeldes separatistas.

- Esta obrigação não só nos vincula ao povo judeu, mas a outros que possam ser ameaçados. Devemos ficar atentos contra todas as ideologias baseadas no ódio e na exclusão, onde quer que apareçam. Tudo que o Mal precisa para triunfar é que os bons homens nada façam - acrescentou o secretário-geral, citando uma frase do poeta britânico do século 18, Edmund Burke: - Aqueles que espalham o ódio são e sempre serão apenas extremistas marginalizados.

Depois de Annan, Wiesel subiu à tribuna com a autoridade de quem já usou de sua própria experiência para pedir ajuda internacional aos muçulmanos bósnios, presos no campo de concentração sérvio de Omarska. As cenas, registradas em 1993, chocaram o mundo mas não foram suficientes para sensibilizar, na época, o mesmo plenário para o qual falava ontem, desesperado por uma intervenção militar que cessasse a matança nos Bálcãs.

- Se o mundo tivesse escutado, talvez pudéssemos evitar Darfur, Camboja, Bósnia e, claro, Ruanda. Sabemos que para os mortos não adianta. Por eles, abandonados por Deus e traídos pela Humanidade, a vitória foi tardia. Mas não é assim para as crianças de hoje, nossas e suas. É para que vivam que somos testemunhas - disse.

O escritor, cujo rosto aparece em uma das fotos tiradas imediatamente após a libertação do campo de Buchenwald, Alemanha, em 1945, chamou a atenção para a indiferença do Ocidente em aceitar os refugiados, permitir que judeus fossem para Israel ou bombardear ferrovias que ligavam Auschwitz a Birkenau - onde mais de um milhão de pessoas foram mortas nas câmaras de gás, pela fome ou por doenças.

- Naqueles tempos, os que lá estavam foram não só torturados e mortos pelo inimigo, mas sofreram pelo silêncio e pela indiferença - disse Wiesel, acrescentando. - Agora, 60 anos depois, pelo menos se tenta escutá-los. Se alguém me dissesse em 1945 que 60 anos depois ainda estaria lutando contra o nazismo eu não teria acreditado. Mas o perigo está aí, vivo e presente. Será que o mundo aprendeu?

Para o Nobel da Paz, o Holocausto seguirá sendo um fato único e incompreensível. Mas a indiferença que o alimentava é um elemento, em sua visão, que até hoje ''gangrena o mundo''.

- O contrário do amor não é o ódio, mas a indiferença. O contrário da educação não é a ignorância, mas a indiferença, o contrário do belo não é o feio, mas o indiferente, o contrário da vida não é a morte, mas a indiferença. - completou.