Título: A situação da economia hoje é insustentável
Autor: Lemgruber , Antonio Carlos
Fonte: Jornal do Brasil, 27/04/2008, Economia, p. E2

Nitidamente, a taxa de câmbio no Brasil está supervalorizada, sobretudo com relação ao dólar. Três exemplos: o real hoje vale dois pesos argentinos; se ajustarmos pela inflação, o real vale hoje mais do que em 1994/95 quando ¿ em função do Plano Real ¿ a taxa foi 1/1 e até mesmo abaixo disso por algum tempo; entre 2003 e 2008, o câmbio apreciou de quase 4 para menos de 1,7.

Esta supervalorização é obviamente boa para a inflação, mas é terrível para a balança comercial. O Brasil teve sorte nos últimos anos com os altos preços de commodities, mas as exportações de manufaturados estão sofrendo e as importações agora estão crescendo rapidamente.

Isto está sendo causado pelo regime de política monetária, que lida com a taxa de juros baseado exclusivamente no chamado "modelo de meta inflacionária". Recentemente, a taxa Selic foi novamente elevada para perto de 12%, em contraste com uma inflação na faixa de 5%, simplesmente porque a regra do modelo mandava fazer isso (inflação acima da meta).

Estas altas taxas de juros estão trazendo enormes influxos de capital de curto prazo, vindo sobretudo do Japão, Suíça e EUA onde os juros estão baixíssimos. O Banco Central do Brasil não consegue (ou não quer) esterilizar estes fluxos financeiros vendendo títulos públicos.

A velha teoria da paridade de juros não está funcionando aqui porque os especuladores de curto prazo acreditam que o diferencial de juros é tão grande (10% ao ano, se considerar Japão e Suíça) que passam a ignorar a possibilidade de desvalorização do real. Ao contrário, ganham duas vezes com o diferencial de juros e a apreciação do câmbio.

É verdade que países como Nova Zelândia, Austrália, Venezuela e Turquia também têm altas taxas de juros, mas por diversas razões o foco do mercado internacional está no real. Certamente, uma das razões principais é que o Brasil tem a maior taxa real de juros, em torno de 7%, o que provavelmente dá confiança aos investidores.

Todavia, o fato é que o modelo de metas inflacionárias no Brasil está provocando um dilema porque a taxa de juros adequada para combater a inflação não é infelizmente a taxa de juros capaz de evitar entradas especulativas de capital externo.

Não estamos sugerindo que o Brasil deva necessariamente mudar o modelo, na direção da taxa de câmbio como "meta", como fazem paises como Argentina, China e outros na Ásia. Mas é evidente que existe um dilema sério gerado pelo fato de se ter um único instrumento (a taxa de juros), o qual não é capaz de cuidar de duas metas ¿ inflação e câmbio.

Achamos que é importante registrar, porém, que existem outros instrumentos de política econômica que não são incoerentes com o modelo de meta inflacionária do Banco Central e que poderiam ser adotados. Falamos, por exemplo, de impostos sobre a entrada de capitais e sobre tarifas menores para importações.

Paradoxalmente, o Brasil parece hoje em dia exageradamente aberto na conta de capital e ainda cheio de controles e barreiras nas importações. Por que não reverter estas tendências e instrumentos?

Quando pensamos sobre o diferencial de juros de curto prazo a favor do Brasil ¿ digamos 90 dias ¿ este é provavelmente 3%. A introdução de uma taxa de 3% em cima de movimentos de capital de curto prazo não é nada incompatível com o modelo brasileiro de metas de inflação. Não há heterodoxia nenhuma. Além disso, uma maior abertura de importações ¿ com tarifas e controles menores ¿ também é consistente com metas antiinflacionárias.

A situação macroeconômica existente parece ser insustentável: 12% de juros, 5% de inflação, supervalorização cambial, e uma nítida deterioração na conta corrente do balanço de pagamentos. As projeções de crescimento de PIB de 5% para 2008 e 2009 podem ser prejudicadas por este "mix" de política monetária apertada e câmbio supervalorizado.