Título: Quando o projeto garante o crédito
Autor: Loureiro , Ubirajara
Fonte: Jornal do Brasil, 27/04/2008, Economia, p. E6

O mercado está cheio de idéias e boas intenções. Mas nem sempre empresários e empresas têm as condições necessárias para que elas se concretizem. É diante dessas dificuldades que se abre uma modalidade de crédito relativamente recente, denominada financiamento de projeto, mais conhecido no ambiente empresarial como project finance.

Este tipo de financiamento tem como base a confiabilidade e o potencial de um projeto específico, ou seja, a capacidade de o projeto gerar recursos que garantam o pagamento e a remuneração do capital, independentemente das outras receitas das empresas empreendedoras. Em suma, o que importa é a capacidade de geração de resultados do projeto, ele próprio o principal fator de garantia do crédito.

O principal protagonista dessa modalidade é o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e o foco, quase único, é a área de infra-estrutura. O sistema, ao contrário dos financiamentos tradicionais, inclui facilidades, tais como menor comprometimento de recursos próprios dos acionistas, a dispensa de prestação de garantias reais e pessoais, transparência sobre os resultados do projeto e liquidez das garantias prestadas ao credor, mediante contratação obrigatória de seguro ou depósito de caução na fase pré-operacional.

Ao contrário dos mecanismos tradicionais, o sistema não inclui qualquer comprometimento de bens ou recursos de pessoas físicas à frente do projeto e seus familiares.

Estes requisitos devem ter como ponto de partida a constituição de sociedade por ações com propósito específico (SPE), a exemplo do que correu para a implantação da Rio Polímeros no Estado, por exemplo. Serão as ações dessa SPE que servirão de caução na fase pré-operacional do empreendimento.

A criação dessa, delimitando os compromissos das partes envolvidas, tem a finalidade de evitar que o projeto sofra eventual contaminação por problemas de outros empreendimentos dos sócios.

O grosso da carteira do BNDES nesse particular é composto por projetos na área de geração de energia elétrica. Mas há também alguns projetos em andamento nas áreas de ferrovias e rodovias, tendo em vista as privatizações promovidas pelo governo.

A modalidade será usada para a construção da hidrelétrica de Santo Antonio, no Rio Madeira, uma obra orçada em quase R$ 10 bilhões. Mas também podem ser atendidos empreendimentos de porte menor, como construção de linhas de transmissão, ou de pequenas centrais hidrelétricas.

Como credor, o BNDES considera o fluxo de caixa e/ou ativos do projeto como fonte primária de receita para o cobrir o serviço da dívida ¿ composto por juros e principal. Os prazos de vencimento da dívida e dos títulos patrimoniais são estabelecidos de acordo com as características do fluxo de caixa do projeto.

O BNDES dá seis meses de carência, na fase operacional, para o início das amortizações. Depois disso, é necessário que o faturamento seja equivalente a pelo menos 1,2 vezes do montante de recursos necessários ao pagamento do serviço da dívida. Isto deve ser comprovado mediante balanço que passa por uma auditoria independente.

Na fase de implantação, o banco também exige a contratação de seguro de performance e de garantia. Cumprido o cronograma e as exigências, os empreendedores poderão ser dispensados da caução de ações.

No entender de Nelson Siffert, chefe do Departamento de Energia Elétrica do BNDES, as facilidades concedidas, caso o empreendedor execute sua parte antes dos prazos estabelecidos, estimula a concorrência e favorece a expansão da infra-estrutura nacional.

¿ Não por acaso que os espanhóis, que atuam preponderantemente pelo sistema de project finance ocupam quatro posições entre os 10 maiores operadores de infra-estrutura no mundo ¿ explica Siffert.

Ele classifica o modelo do project finance como a forma mais moderna e bem elaborada de trabalhar o financiamento de um negócio e relata que, somente na área de energia elétrica, o BNDES, a partir de 2003, já aprovou cerca de 130 projetos, com desembolsos da ordem de R$ 25 bilhões, praticamente sem casos de inadimplência.

O seguro de garantia e performance normalmente equivale a 2% do valor da obra. O objetivo é garantir a entrega de equipamento na data marcada, que seja projetado o fluxo de veículos que passa por um pedágio, ou que uma determinada termelétrica tenha um contrato de venda da energia gerada a preço pré-determinado durante a vigência do financiamento.