Título: É imperativo que a justiça seja feita
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 29/04/2008, Opinião, p. A9

Os depoimentos de moradores da região de São Domingos do Araguaia sobre um dos episódios mais tenebrosos da ditadura militar ¿ a Guerrilha do Araguaia ¿ trazem à tona revelações que as Forças Armadas relutam em comentar. A execução dos 59 guerrilheiros do PCdoB desaparecidos na região entre 1972 e 1975 é um longo capítulo a ser descortinado e esclarecido perante a sociedade brasileira.

A passos lentos por falta de cooperação dos militares, que resistem em abrir os arquivos da ditadura, a investigação sobre a morte dos militantes buscou escutar os moradores (mateiros) da região, que na época foram duplamente penalizados. Os agricultores eram amigos dos guerrilheiros, sem saber que esses organizavam a luta armada. Mais tarde, sob a ação dos militares que decidiram pelo extermínio do movimento, foram perseguidos, presos e torturados, para depois ajudarem nas buscas pelo lado do governo.

A esperança é que os 70 moradores ouvidos pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça e pela Comissão dos Mortos e Desaparecidos possam esclarecer as circunstâncias em que morreram os rebelados ¿ ainda hoje desaparecidos. As primeiras declarações, acerca do fuzilamento de integrantes do PCdoB que já haviam se entregado aos militares, traduzem a urgência da abertura dos arquivos das Forças Armadas sobre as três investidas na região ¿ entre Sudeste do Pará, Norte do Tocantins e Sul do Maranhão ¿ para que a justiça seja feita.

Órgão responsável pelas buscas dos desaparecidos, a Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) considera prejudicial a omissão dos militares diante das investigações.

O depoimento dos mateiros não deixa de ser uma frente de investigação importante. A ajuda não invalida, no entanto, a necessidade de se colocar às claras as ações do Exército, da Marinha e da Aeronáutica na época. Trata-se de um compromisso com a sociedade brasileira. E cabe ao governo em vigor exigir a apresentação dos arquivos da época. A inércia das Forças Armadas configura desrespeito e coloca em xeque o conceito de idoneidade da própria classe.

Em entrevista ao JB no mês passado, o próprio ministro Paulo Vannuchi, da SEDH, reconheceu que o Brasil está longe de poder comemorar os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, este ano. Alguns temas pertinentes ainda são sinônimos de vergonha para o Brasil. Apesar de termos um dos mais extensos arquivos sobre repressão da América Latina, há "problemas no âmbito judiciário". Somos o único país em que "ninguém foi preso por ter matado na ditadura".

Justiça sobre o ocorrido no sangrento conflito do Araguaia só será possível quando forem abertos os documentos militares sobre a época. As revelações demandarão novas expedições técnicas à região e esforços para localizar os restos mortais dos militantes do PCdoB. É, como bem definiu o ministro, "direito sagrado e milenar das famílias receberem tais indivíduos, para que possam materializar a morte".