Título: Não existe política monetária independente"
Autor: Carvalho ,Jiane
Fonte: Jornal do Brasil, 28/04/2008, Economia, p. A14

O ex-diretor do BC Alkimar Moura afirma que não existe política monetária 100% independente. Na visão do economista, é preciso haver alguma coordenação entre o BC e outras áreas do governo. Para Moura, é papel de todo banco central socorrer bancos para impedir que o problema de liquidez das instituições financeiras se alastre. Porém, o economista adverte que a conta do socorro patrocinado pelo Fed será paga pelo contribuinte americano.

Como o senhor avalia a atual crise de liquidez bancária global por conta do mercado americano de subprimes?

¿ É preciso lembrar dois aspectos importantes desta crise. Um deles foi uma certa leniência na concessão de crédito, emprestaram dinheiro para quem não podia receber. As instituições se alavancaram muito. Além disso, o sistema regulatório e fiscalizador se mostrou frouxo, incapaz de evitar o problema. Depois que a crise se instalou, os BCs tinham de agir, não havia alternativa.

As autoridades fiscalizadoras foram negligentes?

¿ Houve, de fato, negligência dos reguladores e também muita confusão sobre qual o papel das entidades. O Fed fiscaliza os chamados bancos nacionais; a SEC, o mercado de capitais; e outros órgãos também desempenhavam papéis semelhantes. Ninguém olhava o todo e havia muita superposição.

De que forma esta confusão entre as entidades colaborou para a crise?

¿ Houve muita alavancagem das instituições, fato que potencializou os efeitos da crise. Era um crédito de baixa qualidade que foi empacotado sob a forma de diferentes instrumentos financeiros, vendidos dos bancos comerciais para os bancos de investimentos e depois foram parar nos fundos. Ninguém via o que estava acontecendo. O problema se espalhou e hoje é difícil saber qual a extensão da crise.

O sistema fiscalizador brasileiro difere muito do americano?

¿ Aqui, de certa forma, o sistema fiscalizador é mais eficiente. A abrangência de fiscalização do BC é maior até porque temos basicamente bancos múltiplos, que tanto atuam como comerciais e de investimento, o que facilita a fiscalização do BC. Aqui a regulamentação faz mais sentido.

O que mudou na forma de atuação do BC da época em que o senhor esteve lá para hoje?

¿ Acho que a principal mudança foi a criação de um ritual de política monetária, com a instituição do Copom, as atas e o mandato do BC para perseguir uma meta de inflação. Ficou tudo mais institucionalizado, mais transparente, o que é positivo.

Qual o principal papel do BC hoje?

¿ É conduzir o mercado, as expectativas de inflação. Para isto seu grande ativo é a reputação. Quando emite um sinal de que vai subir o juro, precisa ratificá-lo de forma coerente.

Qual sua avaliação sobre a gestão atual do BC em um momento de retorno do aperto monetário?

¿ Se o BC tem de errar é melhor que erre por ser conservador. O aperto monetário atual é preventivo. No governo do presidente Lula têm sido comuns divergências entre os ministros ligados ao setor produtivo e o presidente do BC.

Um BC independente, como muitos defendem, seria melhor?

¿ Não sei se um BC independente muda muita coisa. O Copom já é independente de fato. A formalização apenas daria mais segurança aos diretores e ao presidente do BC, que não poderiam ser tirados do cargo.

Existe política monetária independente de outras áreas do governo?

¿ Não existe política monetária 100% independente. É preciso haver alguma coordenação entre o BC e outras áreas do governo.

Mas o socorro a bancos que ganharam muito com o endividamento ao longo de anos foi correta?

¿ O pesadelo de qualquer banco central é que o mercado financeiro trave, que os ajustes diários de liquidez não consigam ser feitos. É papel do Fed ser um emprestador de última instância. Se os BCs não resolvem rapidamente o problema, cresce a desconfiança e a situação piora rapidamente.

Isto não alimenta novos equívocos, já que os bancos sabem que o socorro vai ocorrer?

¿ É claro que o velho dilema de o Fed estar realimentando os erros dos bancos, ao sair em socorro, existe, mas no meio do terremoto não há outra alternativa. A função de um BC é emprestar aos bancos solventes os recursos para que a operação continue. Mas isto tem de ser feito a uma taxa extra punitiva.

E isto está ocorrendo?

¿ A crítica ao Fed é de mudança em algumas regras. Antes, só bancos comerciais tinham acesso a estas linhas de crédito, mas o Fed incluiu o Bear Stearns, que é banco de investimento, porque estava quase fechando as portas. Os prazos também foram alongados e, pior de tudo, começaram a aceitar colaterais duvidosos como garantia. Isto vai acabar na conta do contribuinte americano.

O socorro dado pelo Fed e também por bancos centrais europeus aos bancos tem alguma semelhança com o Proer brasileiro, que o senhor participou da elaboração em 95?

¿ A semelhança é que naquele momento, assim como agora, existia um risco para o sistema que exigia uma atuação do Banco Central. As instituições socorridas, Econômico, Nacional e Bamerindus, estavam entre as 10 maiores do Brasil e se não fizéssemos nada havia risco sistêmico potencial alto, como agora.

O Proer foi muito criticado na época.

¿ Foi sim, mas as críticas de ajuda a banqueiros são infundadas. Os bancos tiveram seu patrimônio zerado, portanto o patrimônio dos acionistas dos bancos também foi zerado. Agora, o patrimônio pessoal dos banqueiros é um problema judicial, não cabia ao Banco Central.

De que forma esta crise pode afetar o Brasil?

¿ Do ponto de vista do mercado financeiro não existe esta história de descolamento. Há sempre uma ligação entre os mercados. Mas o reflexo hoje é menor do que no passado. O Brasil vive outro momento com reservas elevadas, na casa dos US$ 190 bilhões.

A estratégia de compra de dólares pelo BC para engordar as reservas tem sido muito criticada. O senhor concorda?

¿ Engordar as reservas é sempre saudável, principalmente quando se vê o efeito positivo de reservas altas em uma crise como a atual. Mas a discussão se o custo é ou não o mais adequado é difícil saber, mas acho que as críticas são exageradas. Nenhum BC deixa o câmbio totalmente solto. Isso não existe em nenhum lugar do mundo. A verdade é que o BC trabalha com um olho na inflação e outro no dólar.