Título: Um ministério para a outra economia
Autor: João Roberto Lopes Pinto
Fonte: Jornal do Brasil, 25/01/2005, Outras Opiniões, p. A11

Os dados já são por demais conhecidos. 56% dos ocupados no país estão na ''informalidade''. Se retirarmos os casos dos assalariados sem carteira, teremos algo em torno de 40% de trabalhadores não-assalariados no país. Ou seja, trabalhadores que estão operando - como micro-empreendedores, cooperativados, conta-própria e produtores rurais familiares - uma economia cujo tamanho nos impede de qualificá-la como franja do chamado setor formal.

Mas tal parece ser a maneira pública com que se insiste em tratar essas outras formas de trabalho. Como atividades cujos dois únicos destinos seriam o ''empreendedorismo'' ou a absorção pelo emprego formal. A solução aí parece ser simples. De um lado, desburocratização e facilidade fiscal e creditícia para a pequena empresa e, de outro, redução de encargos trabalhistas que onerariam o emprego. Em que pese a pertinência dos incentivos para o micro-empreendedor, grande é o risco de soluções desse tipo não livrarem essas formas de trabalho da precariedade que costuma caracterizá-las.

Mas uma outra agenda pública é possível. Uma agenda que inclui os trabalhadores não-assalariados como agentes de desenvolvimento econômico e social. Essas formas de trabalho podem ser vetores de um aumento efetivo da capacidade produtiva e de geração de trabalho, sem cair na concentração de renda típica dos processos de ''crescimento sem desenvolvimento''.

Embora haja diferenças entre tais atividades, existe um aspecto comum que se refere ao fato de que nelas praticamente não há separação entre capital e trabalho. Ou seja, são atividades que contribuem, com enorme debilidade é certo, para a desconcentração da propriedade e, portanto, da renda. Além disso, como o trabalho não possui a mobilidade característica do capital, a inserção dessas atividades no tecido sócio-produtivo demanda estratégias de desenvolvimento local ou regional.

A integração no território dessas atividades, favorecendo a apropriação de cadeias produtivas a partir de arranjos cooperativos, se apresenta como um grande desafio para as políticas voltadas ao desenvolvimento. Não se trata apenas de disponibilizar os fatores e incentivos produtivos, mas induzir e fortalecer formas integradas de potencialização desses recursos no território.

O governo federal tem sinalizado com algumas iniciativas significativas nesse campo, ainda que tímidas. É o caso do programa de microcrédito recém lançado pelo governo, um crédito assistido que privilegia os agentes financeiros mais próximos da realidade dos beneficiários, ou seja, as cooperativas de crédito. Outro avanço evidente refere-se à triplicação do crédito destinado à agricultura familiar pelo Pronaf. Além do aumento dos recursos, destacam-se as estratégias de desenvolvimento rural, a partir do fortalecimento da assistência técnica e extensão rural.

Chama também a atenção a novidade representada pelo movimento de economia solidária, que procura organizar as diversas formas de empreendimentos associados (cooperativas ou grupos de produção, consumo e serviço; redes de troca; moedas sociais etc.). A criação da inédita Secretaria Nacional de Economia Solidária, no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego, também aponta na direção dessa outra agenda.

Mas o tratamento das outras formas de trabalho não-assalariadas precisa ainda ganhar a relevância correspondente com a centralidade econômica assumida por esse segmento. Caberia indagar, então, por que não um ministério para essa outra economia? Seria uma aposta pública em um desenvolvimento de fato inclusivo, porque concilia crescimento da capacidade instalada com criação de novas oportunidades produtivas a partir do território.