Título: A alta dos preços e o papel do Brasil
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 14/04/2008, Opinião, p. A8

Estava certo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao declarar, na Holanda, que a agricultura brasileira pode produzir mais e, assim, atender à crescente demanda de alimentos no mundo. Ele acrescentou um ponto-chave à discussão que tem atormentado instituições como o FMI, o Banco Mundial (Bird) e a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês): o Brasil é um dos países mais preparados para responder aos desafios da crise gerada pela alta dos preços.

Lula também reagiu à sugestão de que a produção de biocombustíveis esteja criando pressões inflacionárias sobre os alimentos. O etanol seria, neste caso, um dos alvos do ataque ¿ foi o que havia dito, por exemplo, o presidente do Bird, Robert Zoellick. "Não me digam que o aumento de preços é por causa dos biocombustíveis", disse Lula. Há de separar o joio do trigo. É verdade, como afirmou Zoellick, que a alta dos preços dos alimentos contribuiu, tanto nos Estados Unidos como no Brasil, para esfriar um pouco o interesse pela produção de biocombustíveis. Mas também é verdade que, no Brasil, a fabricação do etanol pouco tem afetado a oferta de comida, ao contrário do que ocorre entre os americanos, que fabricam álcool de milho.

Há mais. Para o diretor-geral da FAO, Jacques Diouf, por exemplo, a perversa conjunção de astros que afeta o preço da comida inclui a crescente demanda por energia, as quebras de safras e os baixos estoques em muitos países. A maior procura por alimentos, sabe-se, é decorrente da expansão econômica de grandes países emergentes e da incorporação de grandes massas de consumidores. (Lula, à sua maneira, lembrou que "os pobres do mundo começaram a comer"). O efeito desse movimento parece óbvio: preços em alta.

Mas se ainda existe divergência em alguns aspectos da natureza da demanda, há um consenso sobre as dramáticas conseqüências nos países pobres e mais dependentes da importação de alimentos. Os problemas causados, lembrou Zoellick, podem equivaler à perda de sete anos de programas de combate à pobreza. É muito.

Eis aí o nó a desatar ¿ e justamente onde o Brasil pode desempenhar um papel relevante. O país colherá neste ano mais uma safra recorde de grãos e oleaginosas. Temos uma considerável experiência na área de pesquisa agropecuária e podemos partilhá-la com outros países ¿ sobretudo as nações pobres, como as da África, repletas de potencialidades agrícolas. E exibe, claro, uma opção de etanol economicamente defensável.

Ainda não se chega a falar em escassez de comida. Mas o maior problema é que boa parte das populações pobres ¿ da África, além de bolsões da Ásia e da América Central, por exemplo ¿ não ganha o suficiente para suportar um grande aumento de gastos com a comida. Configura-se, portanto, uma crise mundial à vista, tanto para os países importadores quanto para os exportadores. Para os primeiros, o agravamento das condições sociais e de perdas na balança comercial. Para os outros (apesar dos consideráveis ganhos comerciais), pressões inflacionárias. É o caso do Brasil. Entre perdas e ganhos, porém, ainda temos muito a contribuir num ambiente de incerteza e preocupação. O diagnóstico do presidente, insista-se, é correto. Mas será preciso aperfeiçoar políticas que, neste campo, já demonstraram ser bem-sucedidas.