Título: A trama da vitória de Meirelles
Autor: Almeida, Rodrigode; Camarão, Rodrigo
Fonte: Jornal do Brasil, 04/05/2008, País, p. A2

Críticos e aliados do presidente do Banco Central são unânimes: para o bem ou para o mal, ele é o maior responsável pelo grau de investimento.

A elevação do Brasil a grau de investimento tem um vencedor individual: Henrique de Campos Meirelles. Desde janeiro de 2003 o czar do Banco Central, ele se vê agora diante de uma rara unanimidade nesses cinco anos e quatro meses de governo. Admiradores e críticos do presidente do BC reconhecem nele um papel fundamental para a promoção da classificação de risco do país, anunciada na quarta-feira pela agência Standard & Poor¿s. Para o bem e para mal.

É mais um motivo de orgulho para o banqueiro que costuma comparar a sua função à de um goleiro de futebol. Meirelles é garboso ao falar de como conseguiu defender o país dos riscos que rondam a grande área da economia. Agora o guardião das balizas inflacionárias pode vangloriar-se de ter dado o passo além, mesmo sob paus e pedras atirados de dentro e de fora do governo.

¿ O grau de investimento obtido é importante para mostrar que o país é capaz de crescer e manter a inflação sob controle ¿ comemorou Meirelles logo após o anúncio. ¿ Assim, o Brasil se torna atraente.

Para muitos analistas, porém, o grau de investimento é resultado da continuidade, no governo Lula, de diretrizes iniciadas ainda na gestão de Fernando Henrique. O eixo se daria entre o câmbio flutuante e as metas de inflação, adotados, respectivamente, em 1999 e 2000.

Mas o crédito a Meirelles vem de nomes costumeiramente alinhados à gestão do BC, como o economista Raul Velloso, a costumazes adversários, como o economista Carlos Lessa, ex-presidente do BNDES. De representantes da banca, como o economista Alexandre Schwartsman, economista-chefe para a América Latina do Banco Real, a críticos habituais do BC, como o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

A diferença do crédito é que, de um lado, exibe conotação positiva. Do outro, soa como crítica direta. Raul Velloso, especialista em contas públicas, elogia:

¿ O grau de investimento fortalece a posição de Meirelles. Ele estava sob intenso tiroteio pelo recrudescimento da inflação e pelos déficits em conta corrente. As novidades estavam ruins para ele.

Carlos Lessa, adversário de Meirelles no tempo em que dirigiu o BNDES, acrescenta:

¿ O presidente Lula é um meirellista. Meirelles virou o homem-forte do governo, tão forte que ganhou status de ministro.

Lessa refere-se à medida provisória editada em 2004, que elevou o cargo de presidente do BC ao patamar de ministro de Estado. Com a mudança, o ocupante passou a ter o direito a foro privilegiado em caso de processo na Justiça para crimes comuns e de responsabilidade. Mas era a senha de Lula para conceder-lhe autonomia à frente do BC.

No governo, os embates em torno da política econômica são comuns. Antes, porém, tais confrontos eram mais explícitos. Hoje, em público, é difícil achar adversários declarados, como ocorria quando Carlos Lessa ou o ex-todo poderoso da Casa Civil, José Dirceu, estavam no governo. Observações mais ácidas agora são feitas reservadamente. O JB ouviu algumas delas.

Um integrante do governo, cadastrado na pasta dos críticos de Meirelles, relatou como o presidente do BC se viu ameaçado diante do reaparecimento de saldos negativos nas contas externas, depois de cinco anos de superávits sucessivos. O sinal amarelo se acendera com o dólar barato. O país saiu de um superávit de US$ 13 bilhões em junho do ano passado para um déficit de US$ 10 bilhões nos três primeiros meses deste ano. Esse resultado, diz esta fonte, teria mudado o debate econômico nos gabinetes de Brasília. O pêndulo, até ali favorável a Meirelles, ameaçava mudar de lado.

¿ A nova classificação de risco veio em boa hora para Meirelles ¿ sugere esse crítico, para quem das duas uma: ou a credibilidade internacional do presidente do BC ajudou a elevar a classificação do Brasil ou a nova classificação garantiu o salvo-conduto da política monetária do BC. Ou as duas coisas.

Teorias à parte, tanto Meirelles quanto a Standard & Poor¿s seguiram o mesmo discurso. Meirelles acha que, embora simbólico, o grau de investimento só garantirá mais dinheiro ao Brasil se o país continuar "trabalhando para confirmar as mudanças que fez". Lisa Schineller, da Standard & Spoor¿ s, engrossou o coro, destacando a necessidade de o Brasil perseguir reformas econômicas ¿ ou seja, que se complete o receituário seguido até aqui.

Raul Velloso oferece a síntese da força do BC, antecipando o que pode vir por aí:

¿ A nova classificação chancela a ação de Meirelles e lhe dá fôlego inclusive para mais juros.