Título: Juros não impediram crescimento
Autor: Garcia, Cynthia
Fonte: Jornal do Brasil, 04/05/2008, Economia, p. E1

Para Mario Garnero, luta de empresários é pela redução dos gastos públicos e melhor infra-estrutura.

Com a queda nos juros americanos e o inesperado investment grade conquistado pelo Brasil na quarta-feira pela agência Standard & Poor¿s, o Conselho das Américas, presidido por David Rockfeller, teve encontro quinta-feira, em Nova York, seguido, no dia seguinte, na mesma cidade por reunião do Fórum de Desenvolvimento Sustentável 2008, organizado pela Associação das Nações Unidas Brasil (Anubra), comandada pelo empresário Mario Garnero. O evento capitaneado pelo empresário paulista começou em clima positivo, e com anúncio da conclusão de um acordo operacional entre os governadores do Maranhão, Tocantins e Piauí para estabelecimento de um álcoolduto que sairá da Norte-Sul até o porto de Itaqui, no Maranhão. Desta segunda edição do encontro participaram oito governadores brasileiros (entre os quais os dos três Estados acima, mais os de Mato Grosso do Sul, Santa Catarina, Bahia, Rio Grande do Sul e Goiânia) e 150 empresários americanos que tiveram oportunidade de discutir e ouvir palestras de Bill Clinton, da secretária de Estado adjunta dos EUA, Paula Dobriansky, e do ministro das Relações Institucionais do Brasil, José Múcio Monteiro.

No fim do evento, Garnero, presidente do grupo Brasilinvest, lançou seu quinto livro, O lugar do Brasil no mundo: uma visão sobre o papel brasileiro no mercado mundial, publicado pela Fundação Mario Garnero, com versão em inglês:

"Espero que seja útil para quem busca uma visão da política exterior, ligada à área econômica, que fiz sem nenhum preconceito ou qualquer viés econômico ou político".

O Brasil está na moda ou isso é conversa para inflar o ego nacional?

¿ Não acho que o Brasil esteja na moda porque acaba de ser reconhecido pela Standard & Poor¿s como grau de investimento. Os fundamentos da economia estão sólidos e se agora mantivermos aquilo que estamos fazendo na política do presidente Lula e do presidente do Banco Central, sem dúvida, teremos a continuidade desse progresso numa média anual de 6%.

O Fed aplicou mais uma queda nos juros, como isso afeta a economia mundial e o Brasil?

¿ Positivamente, sem dúvida. Cria mais procura de investimentos no Brasil por causa da remuneração dos capitais aqui. Nos Estados Unidos, a taxa passa a ser negativa em relação à inflação ¿ a inflação americana, hoje, é maior do que os juros. O dinheiro irá procurar oportunidades de crescimento e investimentos sólidos, como no Brasil.

Como avalia a conexão entre o mundo dos negócios e o meio-ambiente?

¿ Os empresários são os protagonistas econômicos que mais prejudicam o meio ambiente e, também, os que mais podem contribuir com ações próprias ou pressionando os governos para que adaptem leis e comportamentos. O setor que ignorar isso sofrerá grandes perdas.

Qual sua avaliação do governo Lula?

¿ Muito boa. Ele compreendeu o momento histórico e que, terminada a inflação, a pirâmide social voltaria a se reequilibrar. Gostaria de enfatizar que não foram a educação, nem as condições da saúde, que levaram o Brasil à distorção de sua pirâmide social e ao aparecimento dessa pobreza. Foi a inflação galopante que levou a essa diferença de classes sociais, que, até hoje, nos deixa, ricos e pobres, envergonhados.

E as taxas de juros?

¿ São necessárias em um país que tem dificuldade em seus controles monetários porque o governo gasta mais do que deveria na manutenção da máquina estatal e não nos investimentos, pequenos em relação ao PIB. Todavia foi um instrumento necessário para a queda da inflação. Os juros não impediram que o Brasil crescesse, hoje, a uma taxa anual de 6%, nem impediram o pulo que deram nossas exportações nos últimos cinco anos, dobrando de US$ 75 bilhões para US$ 150 bilhões. O empresariado deveria pressionar não pela baixa dos juros, que são circunstanciais, mas pela eliminação do Custo Brasil e redução dos gargalos que entravam nosso crescimento, como infra-estrutura, portos, canais, estradas e outros pontos que impedem que o Brasil chegue, em cinco anos, a ter US$ 300 bilhões em exportações, US$ 250 bilhões em importações e saldo comercial de US$ 50 bilhões, o que consolidaria o país no cenário global.

Como estão as taxas de investimento?

¿ O Brasil, este ano, tem todas as condições de receber entre US$ 40 bilhões e US$ 48 bilhões de investimentos diretos do exterior. É uma cifra que o eleva ao patamar onde estão os seis maiores países receptores de investimentos externos, portanto é um ganho. No exterior há desejo de investimentos nas áreas de agricultura para produção de alimentos e de etanol, no setor imobiliário e de mineração. Se o Brasil der um passo à frente, mantendo as regras estáveis, estes investimentos poderão crescer enormemente.

E o preço do petróleo?

¿ Vai chegar a US$ 150 em setembro ou outubro. Estamos muito próximos da auto-suficiência, embora ainda a importação de óleo esteja um pouco mais cara, porque o óleo leve, em relação ao óleo pesado que exportamos e produzimos, hoje, nos afeta menos do que há uns anos. Com as reservas de Tupi e as que estão aí anunciadas, o Brasil está entre as maiores reservas mundiais de petróleo. Portanto, temos que nos preparar para uma fase em que pularemos de importador para auto-suficiente e sermos grandes exportadores de petróleo num prazo de cinco a 10 anos, o que mudará completamente o perfil do Brasil. Descobrimos mais petróleo, temos etanol, Embraer, Amazônia, comprovada plataforma industrial, terra para plantio, litoral imenso.

Do que mais precisamos?

¿ Manter taxas de inflação baixas para diminuir o abismo entre ricos e pobres, progressivamente. Precisamos de mais recursos do governo e da iniciativa privada na infra-estrutura e da manutenção da estabilidade política desde que a democracia se fez viva e atuante.

A China poderá alavancar negócios no Brasil?

¿ Acho que, antes da China, temos que conquistar e ampliar nossos mercados no Oriente Médio ¿ porque temos imagem favorável e uma economia não tão competitiva quanto a chinesa ¿ na América Latina e nos Estados Unidos, dois grandes mercados mundiais.

"A crise de 1929 não vai se repetir"

Quais são os países em que temos mais chance no Oriente Médio?

¿ Em todos os países do Golfo, como Arábia Saudita, Kuwait, Abu Dhabi, Dubai. A Índia também. O Paquistão é outro mercado que está se desenvolvendo. A África é importante, mas daria grande ênfase aos ricos países produtores de petróleo. Sem esquecer a América Latina e os Estados Unidos, que têm sido para o Brasil um mercado incipiente, com exportações na ordem de US$ 6 bilhões, pouco para o tamanho da economia brasileira que se situa entre as sete maiores do mundo. Portanto, tem muito a conquistar nesses mercados.

Como a crise nos Estados Unidos nos afeta?

¿ Acho que o ponto culminante já passou, acredito que estamos a caminho de uma recuperação pequena da economia. Acho que não deve passar disso. Não chegará perto, como diziam, repetição da crise de 1929. Não há mais crise de 29 no nosso planeta.

Como o dólar baixo afeta nossas exportações?

¿ De uma maneira positiva, porque 60% das nossas exportações, hoje, são bens de capitais, tecnologia e produtos intermediários. Isso propiciou uma alavancagem extraordinária da indústria brasileira, que se modernizou e passou a ser competitiva para chegar a exportações na ordem de 15% cumulativos ao ano, uma boa taxa em relação às anteriores, chegando a US$ 150 bilhões. Não vejo problemas no dólar para exportação, principalmente tendo em vista o crescimento dos preços dos produtos minerais no mundo e das commodities. Há uma carência enorme de alimentos no mundo que o Brasil pode e deve sustentar.

Alguma brecha para nós na Rodada de Doha 2008?

¿ Acho que há uma posição difícil a ser vencida, porque os lobbies agrícolas na Europa e nos EUA são muito fortes, principalmente em um ano de eleições americanas. Dificilmente chegaremos a um entendimento este ano. Mais que a Rodada de Doha, me preocupa a ação concertada que está se fazendo nos países desenvolvidos, principalmente na Europa, contra o etanol e as commodities brasileiras. O Brasil precisa, como tem feito o presidente Lula, assumir uma posição de defesa e se fazer ouvir. Temos que nos defender porque existem esquemas mundiais interessados na asfixia do projeto etanol no Brasil e do processo de desenvolvimento agrícola brasileiro na produção de alimentos.

O que diz das barreiras alfandegárias em relação às importações?

¿ Temos que caminhar para importar mais e exportar mais. Não temos nenhuma necessidade de proteger, de novo, os nossos produtos, o que levou à grande estagnação da indústria.

Qual conselho daria para o empresário médio que busca ser um `global player¿?

¿ Seja audacioso na busca dos mercados, venda seus produtos sem medo da competição, porque a indústria do Brasil está com uma imagem muito positiva, e aquele receio que tínhamos de dizer que somos brasileiros desapareceu. O Made in Brasil está tão bom, ou melhor que os produtos feitos em qualquer lugar do mundo.

Quais são seus planos para depois do Fórum?

¿ De Nova York, sigo para a Tailândia para me encontrar com o rei e o primeiro ministro para promover o etanol e ver as possibilidades de acordos comerciais e empreendimentos conjuntos entre nossos países. A Tailândia é uma importante porta de entrada para o Japão, a Coréia, Taipei e China, e tem uma economia que se ajusta muito bem com a brasileira em sua complementaridade. Depois tiro uns dias na fazenda.