Título: Coisas do Brasil: Sobrevivência na selva política
Autor: Rodrigo Alves
Fonte: Jornal do Brasil, 17/02/2005, País, p. A2

Entre mortos e feridos, acreditem, salvou-se Luiz Eduardo Greenhalgh. Dono de biografia rara no campo da política, o ex-advogado do MST sai quase ileso da ventania que varreu Brasília e levou o deputado Severino Cavalcanti ao posto mais alto da Câmara. No fundo, a derrota inesperada salvou Greenhalgh de enfiar o pé na lama. Até segunda ordem, o sapato continua limpo.

Sujo ficou o Congresso, virado do avesso em apenas uma noite. A Câmara passa a ser comandada pelo rei do baixo clero, ainda que o próprio tenha abolido a expressão de seu vocabulário. Não importa o verbete, e sim a constatação de que o novo presidente da Casa representa a turma que age no varejo, na negociação mais rasa, no toma-lá-dá-cá explícito para fazer bonito nos redutos eleitorais.

Severino não é simplesmente uma pedra no sapato do Planalto. No balaio de virtudes, encarna o corporativismo da campanha para aumentar o salário dos colegas, alimenta o pensamento retrógrado da cruzada contra os homossexuais e reforça a intransigência ao condenar o direito ao aborto. É este tipo de político que 300 nobres deputados, eleitos pelo voto de cada um de nós, escolheram como modelo.

Os incautos que depositam no Senado a chance da revanche podem tirar o cavalo da chuva. Por lá, as mudanças foram mais sutis, ganharam menos espaço na mídia, mas têm efeito igualmente nocivo.

A chegada de Renan Calheiros à presidência reforça a incoerência de um governo que insiste em flertar com remanescentes da era Collor. Como se não bastasse, a turma se reuniu ontem para distribuir as comissões da Casa. O resultado foi espantoso.

A Comissão de Valores Econômicos caiu nas mãos de Luiz Otávio (PMDB), o mesmo que responde a um processo no Supremo Tribunal Federal por desvio de verba. Mais surreal que a indicação é a justificativa dos senadores, assumindo, de cara lavada, que esta é uma boa oportunidade para Otávio ''limpar seu nome'' antes das eleições de 2006.

Outra comissão de ponta, a de Constituição e Justiça, ficou com Antonio Carlos Magalhães, notório envolvido na violação do painel do Senado em 2001.

Diante da selva em que se transformou o Congresso, Greenhalgh vai encontrar na tristeza da derrota bons motivos para se sentir aliviado.