Título: Lula esculpe a sua sucessora
Autor: Corrêa, Villas-Bôas
Fonte: Jornal do Brasil, 09/05/2008, Opinião, p. A9

A mistura de uma seqüência de boas notícias, como o controle da inflação ¿ apesar da advertência dos índices da Fundação Getúlio que registram um aumento de 10,24% nos últimos 12 meses ¿ os indícios da descoberta de uma das maiores reservas de petróleo do mundo, os percentuais consistentes dos seus recordes de popularidade e o estrondo de balançar um poste da promoção do Brasil ao grau de investimento pela agência Standard & Poor¿s (S&P) desceu pela goela do presidente Lula como um garrafão de bebida etílica.

Se por temperamento, Lula adora falar para qualquer auditório e tem sempre o que dizer, com o tanque cheio está mais loquaz do que em qualquer outro momento dos seus cinco anos e quatro meses dos dois mandatos.

Antes que passe da conta, alguém da família ou da sua intimidade poderia arriscar o conselho do comedimento, policiando a linguagem que baixou à sarjeta do chulo num dos recentes arroubos oratórios. No embalo que acelera a sua euforia, ainda tem muito que dizer aos auditórios que o esperam nas maratonas da autopromoção e na irretocável montagem da sua sucessão, com cada peça no seu lugar para o xeque-mate das sucessivas partidas do campeonato de outubro de 2010.

Está à vontade, absolutamente seguro do resultado. Parte de obviedades indiscutíveis. Para ponto de referência Lula sabe que é dono e senhor do PT, que não sobreviveria sem ele. A sua popularidade dispara léguas à frente da legenda que carrega na garupa.

O exercício da Presidência não oferece apenas a estrutura para as viagens pelo país, os palanques e o auditório, mas a irresistível caixa de favores de milhares de cargos na obesa máquina administrativa, literalmente invadida pela turma petista e os aliados.

Guardadas as proporções, é idêntico o comportamento dos parlamentares da insaciável bancada do PT e dos seus dirigentes: todos na fila da dependência do apoio e dos votos do presidente.

Com a faca e o salame à disposição e a objetiva constatação dos riscos de uma aventura para emendar a Constituição e encaixar o descartado terceiro mandato, armou a série dos próximos lances até onde a vista alcança.

A escolha da ministra Dilma Rousseff para a sua candidata obedeceu ao raciocínio de quem aprendeu as lições de derrotas e vitórias. Dilma é uma administradora em tempo integral, comprometida com as obras do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) e curto registro de petista. A candidata perfeita. A mãe do PAC é a candidata única de Lula, sem alternativa que mereça atenção.

E a candidata-ministra passou com nota alta no teste das mais de nove horas de depoimento na Comissão de Infra-Estrutura do Senado. Falta-lhe o polimento da eloqüência em doses certas, mas sobrou o show de preciso conhecimento da estrutura administrativa do governo, virtualmente em suas mãos, confiada pelo presidente, com outras prioridades na sua agenda política e eleitoral.

Dilma é a indiscutível candidata de Lula. Para ganhar com a eleição creditada ao seu inventor. Na hipótese de uma derrota, hoje improvável, arcará com a trouxa do insucesso.

Eleita, nos quatro anos de exercício do mandato presidencial, a candidata de Lula manteria abertas e cuidadas as veredas para o livre trânsito do Lula 2014. Por enquanto, não é recomendável especular sobre a hipótese de mais quatro anos do segundo mandato, que adiaria a volta de Lula para a lonjura de 2018.

Lula mexe as pedras à vista de todos, com a transparência que ofusca, porque é o oposto do que aconselha a manha dos experientes. E que sempre perdem eleição.

Com as mais convincentes explicações para o insucesso.