Correio Braziliense, n. 22585, 18/01/2025. Política, p. 2

Brasil na expectativa com governo Trump
Victor Correia


Com a posse de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos, nesta segunda-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o Ministério das Relações Exteriores estão na expectativa do que o republicano vai tirar do papel em relação ao Brasil. O país será representado na cerimônia pela embaixadora em Washington, Maria Luiza Viotti.

As políticas econômicas já anunciadas por Trump apontam para a manutenção do dólar em patamar elevado, pressionando os preços brasileiros, e preocupam o setor produtivo pela possibilidade de alta taxação nas exportações para os Estados Unidos. Na política externa, Trump sinaliza buscar um aumento da influência norteamericana na América Latina, retomando sanções contra Venezuela e Cuba, algo que causa desconforto na diplomacia brasileira.

Por sua vez, o governo brasileiro quer manter uma relação pragmática com Trump, apesar da distância ideológica entre ele e Lula.

Na economia, medidas protecionistas são as que mais preocupam.

Trump ameaçou taxar fortemente as exportações brasileiras para os Estados Unidos e cobrar tributo “em 100%” dos países do Brics — bloco presidido neste ano pelo Brasil — caso avancem na desdolarização de suas relações comerciais.

Isso é ruim para os setores de commodities, como a agropecuária e a indústria do aço, já que os Estados Unidos estão entre os maiores mercados para exportações brasileiras.

A gerente de Research da Nomad, Paula Zogbi, aponta que as políticas protecionistas podem manter o dólar em um patamar elevado no médio prazo. Um custo maior para as importações pressiona a inflação e, como consequência, mantém os juros altos. “Quanto mais tempo os juros permanecem elevados nos EUA, maior o apelo do dólar para os investidores globalmente, e mais pressão sobre o preço. No primeiro mandato de Trump, o dólar se fortaleceu cerca de 13%, em meio a tarifas sobre vários países, incluindo China e México”, explica. Ela destaca, porém, que é razoável esperar que parte das medidas anunciadas até o momento sejam abrandadas, uma vez que o eleitorado de Trump é sensível a aumentos de preço.

Outro de incerteza é o próximo secretário do Departamento de Estado norte-americano, Marco Rubio, que assumirá o cargo equivalente ao de ministro das Relações Exteriores, no Brasil. O senador é considerado “linha-dura” em suas posições sobre a América Latina e pode ser um fator de conflitos.

Ele foi sabatinado na quarta-feira pelo Senado dos Estados Unidos e mencionou que expandir a influência do país na região é uma das prioridades de Trump — assim como acirrar o embate com a China.

Rubio não citou o Brasil em sua fala, mas fez fortes elogios ao presidente da Argentina, Javier Milei.

Argentino convidado

Milei, inclusive, é um dos únicos chefes de Estado convidados para participar da posse de Trump.

Tradicionalmente, os Estados Unidos chamam apenas embaixadores para a cerimônia. Em novembro, Trump ligou pessoalmente para Milei e o chamou de seu “presidente favorito”. Todos esses gestos apontam para uma futura aproximação entre os líderes de extrema-direita.

Uma maior interferência dos Estados Unidos na América Latina contraria a posição brasileira pela soberania da região. Trump sinalizou que pode endurecer sanções contra a Venezuela com a reeleição de Nicolás Maduro, marcada por fraude e falta de transparência.

Em sua sabatina, Rubio defendeu rever as permissões para que companhias de petróleo negociem com a Venezuela. “Temos agora licenças gerais, nas quais empresas, como a Chevron, estão despejando bilhões de dólares no cofre do regime, e o regime não cumpriu nenhuma das promessas que fez.

Portanto, isso precisa ser reconsiderado”, afirmou.

O futuro chefe do Departamento de Estado também admitiu a possibilidade de voltar atrás na decisão anunciada pelo governo Biden nesta semana, que retirou Cuba da lista de Estados financiadores do terrorismo — algo que o Itamaraty havia celebrado em nota oficial. Na diplomacia brasileira, o entendimento é de que é preciso esperar para ver quais medidas serão colocadas em prática e quais são apenas retóricas do governo Trump. Nas últimas gestões, inclusive no mandato anterior do republicano, os Estados Unidos deram importância menor para a América Latina.

Pesa também a aproximação das grandes plataformas digitais com o governo Trump. Elon Musk, dono do X, ocupará um departamento.

Mark Zuckerberg, dono da Meta — que controla Instagram, WhatsApp e Facebook — também fez acenos a Trump e, inclusive, financiou sua campanha eleitoral. O empresário anunciou medidas nas plataformas que podem violar leis brasileiras que protegem os direitos nas redes. Também fez críticas a “tribunais secretos” da América Latina que julgam casos relacionados às plataformas.

Não está claro ainda se a administração Trump, após assumir, fará pressão política para tentar impedir a nova tentativa de regulamentação das redes que está sendo engatilhada pelo governo federal. As empresas, por sua vez, certamente o farão — como fizeram com o Projeto de Lei (PL) das Fake News em 2023, que conseguiram barrar.