Título: Acordo ortográfico: prós e contras
Autor: Dollart, Dalmo
Fonte: Jornal do Brasil, 10/05/2008, Opinião, p. A9

A entrada em vigor do novo acordo ortográfico da língua portuguesa é uma questão de tempo. No Brasil, deverá vigorar a partir de 1º de janeiro de 2009, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinará a minuta preparada pela Comissão de Definição da Política de Ensino, Aprendizagem, Pesquisa e Promoção da Língua Portuguesa (Colip), órgão ligado ao Ministério da Educação e Cultura (MEC). O Parlamento de Portugal deverá votar o acordo na próxima quinta-feira. Na prática, porém, o acordo já está valendo, como mostra a reportagem de Mariana Filgueiras publicada no caderno Idéias de hoje. Encontra-se à venda o Novo dicionário da língua portuguesa, feito sob consultoria do filólogo português João Malaca Casteleiro, para a Texto Editores, empresa pertencente ao grupo Leya, a qual saiu na frente das concorrentes brasileiras, que ainda avaliam de que forma vão reeditar seus dicionários. A Positivo, responsável pelo Aurélio, trabalha uma nova edição para este ano e prepara cartilhas para atualizar os professores. A Academia Brasileira de Letras (ABL), que acaba de finalizar seu primeiro dicionário escolar, teve praticamente de "parar as máquinas". Quando o livro ficou pronto, os lexicógrafos perceberam que as alterações já seriam uma realidade à época do lançamento. Decidiram, então, elaborar um suplemento encartado com as mudanças, até que o acordo se transforme em lei.

Aliás, a existência do Leya, um gigante recém-fundado que engloba cinco editoras portuguesas (entre elas, a maior do país, Dom Quixote), uma de Angola e outra de Moçambique, é um reflexo do acordo. O grupo, que fez uma proposta de compra à Companhia das Letras, uma das mais importantes casas do Brasil, tem planos concretos de se estabelecer em nosso país. E até no nome ¿ Leya ¿ está em concomitância com as novas regras: no que concerne aos brasileiros, as letras K, W e Y retornam ao alfabeto, a par da extinção do trema e dos acentos diferenciais. As mudanças mais radicais sobram para Portugal e países africanos: a eliminação de todas as consoantes mudas. Por exemplo, a palavra corrupção ¿ bastante usada ¿ terá aceita a grafia corrução.

Mais uma evidência de que o acordo ortográfico veio para ficar é que o MEC publicou na quinta-feira uma resolução no Diário Oficial da União exigindo que os livros didáticos que serão adquiridos para as escolas públicas a partir de 2010 estejam em conformidade com as novas normas ortográficas. O mesmo documento autoriza as editoras a fazer a adaptação no ano que vem. Aqui, cabe lembrar que o governo brasileiro é um dos maiores compradores de livros didáticos do mundo. Em 2007, foram cerca de 120 milhões de exemplares.

O principal argumento a favor da unificação ortográfica baseia-se na circulação do conhecimento e de obras literárias. A comparação com o espanhol e o francês, que têm uma só ortografia, torna a idéia, mais que agradável, urgente. Isso, porém, no longo prazo. Há quem avalie que os transtornos para a vida prática no primeiro momento tornam razoavelmente escassas as compensações. Sem falar no lado financeiro da questão, nada desprezível em nosso país. O acordo força a reedição dos livros didáticos, e a maior parte deles, como se sabe, é bancada pelo erário.

O mais preocupante, contudo, é que não está havendo no Brasil ¿ ao contrário dos outros países de fala e escrita lusófonas ¿ um amplo e profundo debate público em torno de uma questão que afeta a todos. Em Portugal, um nome de peso como o de José Saramago, ganhador do Prêmio Nobel em 1998, o único que a Academia Sueca destinou à língua portuguesa, manifesta-se a favor do acordo. E, entre nós, quem é contra e quem é favor? Com a palavra, escritores, intelectuais, filólogos, acadêmicos, professores, estudantes e a população em geral.