O Estado de S. Paulo, n. 47920, 29/12/2024. Internacional, p. A10
Para analistas, ameaça de Trump ao Brics é bravata
Jéssica Petrovna
O Brics está sob ameaça de sanções dos EUA caso siga adiante com a ideia de substituir o dólar em suas transações comerciais. A advertência veio do presidente eleito Donald Trump, enquanto o Brasil se prepara para assumir a presidência do bloco, no dia 1º. Analistas ouvidos pelo Estadão, porém, veem a ameaça como uma cortina de fumaça.
A mudança é uma ideia antiga na busca por reduzir a dependência do dólar, mas nunca avançou de fato. Nem sequer aparece nas declarações das últimas cúpulas, que focam mais o uso de moedas locais como alternativa à americana.
“Não há projeto concreto para criação de uma moeda do Brics”, diz Oliver Stuenkel analista político e professor de relações internacionais da FGV-SP. “Existem muitos obstáculos. Não é uma proposta que está em vias de ser implementada.”
“Havia sinais prévios de que Trump faria ameaças a países envolvidos em iniciativas que pudessem reduzir a centralidade do dólar no sistema financeiro internacional”, aponta Stuenkel. O que não está claro, afirma, é o que isso significa em termos concretos.
“É uma forma de Trump dar um sinal de alerta para o Brics. Mas o bloco não está discutindo a criação de uma nova moeda. O que tem sido discutido é a possibilidade de comércio em moeda local”, disse Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Washington.
O efeito, pelo menos no primeiro momento, é de pressão sobre o Brics, o que poderia levar o Brasil a ser mais cauteloso na discussão sobre alternativas ao dólar enquanto preside do bloco.
“O Brasil vai precisar passar uma imagem de moderação, até mesmo por causa das diferenças ideológicas entre os presidentes Lula e Trump”, observa Vinícius Rodrigues Vieira, professor de Relações Internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) e da FGV.
A liderança brasileira terá como lema o fortalecimento da cooperação do Sul Global, mas os temas para a Cúpula ainda estão sendo definidos. Procurado pelo Estadão, o Itamaraty não comentou a ameaça de Trump.
A Rússia, por sua vez, advertiu que Trump pode dar um tiro pelo culatra. “Cada vez mais países estão aderindo ao uso de moedas nacionais em suas atividades comerciais”, respondeu o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov. “Se os EUA usarem a força econômica para obrigar os países a usar o dólar, isso fortalecerá ainda mais a tendência de mudança para as moedas nacionais.”
A moeda americana, contudo, mantém sua hegemonia apesar dos esforços por diversificação, intensificados com a guerra na Ucrânia. O dólar representa 58% das reservas globais, bem à frente do segundo colocado, o euro, com 20%, segundo o Atlantic Council.
O relatório destaca que o Brics tem promovido o uso das moedas nacionais ao mesmo tempo em que a China expan
de o sistema alternativo de pagamentos para os seus parceiros comerciais, mas conclui que o papel do dólar como moeda dominante está garantido no curto e médio prazo.
“Não há projeto concreto para criação de uma moeda do Brics. Existem muitos obstáculos. Não é uma proposta em vias de ser implementada”
Oliver Stuenkel Professor da FGV-SP
IMPACTO. O verdadeiro impacto da política tarifária de Trump recairia sobre os consumidores americanos. São eles que pagam as taxas aplicadas aos produtos importados, não os países de origem.
Para entender o efeito que a política tarifária do republicano teria sobre a renda dos americanos, o Institute on Taxation and Economic Policy (ITEP), centro de estudos com sede em Washington, fez uma projeção com base na proposta de 60% para os produtos chineses e 20% para todas as outras importações. E descobriu que o aumento seria equivalente a 5,7% da renda dos americanos mais pobres em 2026. No caso dos mais ricos, esse número cai para 1,4%.
Na mesma linha, o banco ING alerta que as tarifas podem custar US$ 2,4 mil para cada americano por ano, se colocadas em prática. A análise considera propostas mais gerais e alerta para o efeito cascata que isso teria para uma economia ancorada no consumo.
Políticas tarifárias tem caráter protecionista porque encarecem os produtos vindos de outros países, o que incentiva a escolha das marcas nacionais. Essas, por sua vez, podem ser impactadas pelo aumento dos custos dos insumos importados, mas passam a ter margens maiores para subir os preços.
O benefício para a indústria nacional viria às custas dos americanos, o que reduz o consumo e, consequentemente, o desempenho da economia. É o Protecionismo Benefícios das taxas viriam às custas dos americanos, o que reduz o consumo e a performance da economia
que alerta a organização não partidária Taz Foundation, em análise sobre impactos das propostas. No longo prazo, as tarifas atenuam as pressões competitivas e reduzem a produtividade do mercado doméstico protegido.
“Todos os estudos consistentemente descobrem que as tarifas de Trump teriam um impacto negativo na economia dos EUA”, afirma a análise, que destaca ainda o risco de tarifas retaliatórias dos outros países. Nesse caso, o prejuízo sobraria para as exportações americanas.
Como notou a Economist, o impacto econômico das tarifas trariam custo político para o republicano, eleito com promessas de reduzir o custo de vida e melhorar a vida de trabalhadores irritados com os preços de produtos básicos. Os custos econômicos e políticos à vista contribuem para a tese do uso de ameaças como ferramentas de negociação.
Mas isso não quer dizer que as tarifas sejam apenas retórica. “Trump acredita no protecionismo clássico, de imposição de tarifas. Mesmo quando parecia que não seria factível, ele bancou a aposta política, como no caso da guerra comercial com a China no primeiro mandato”, lembra Vieira.
Além do Brics, Trump ameaçou taxar em 25% as importações de México e Canadá e mais 10% a China. As tarifas sobre os produtos importados desses países foram anunciadas pelo presidente eleito como resposta à imigração e à entrada de drogas no país.
Uma autoridade da transição de governo disse à rede americana CNN que as ameaças são sinais de alerta para forçar outros países a negociar com os EUA em questões como imigração e comércio: “Sabemos que funciona”.
Depois do anúncio, Trump recebeu o premiê do Canadá, Justin Trudeau, na mansão de Mar-a-Lago e falou com a presidente do México, Claudia Sheinbaum, por telefone. As conversas foram descritas como “produtivas”, apesar das versões conflitantes sobre o que teria sido acordado.
“Se você observar a ameaça de tarifas contra o México e o Canadá, verá que imediatamente houve ação”, disse o republicano Ted Cruz, aliado de Trump, à CBS News. Ele acredita que as ameaças de Trump sejam uma ferramenta de negociação. “Trump disse que imporia as tarifas, a menos que eles protegessem a fronteira.”
Na primeira passagem pela Casa Branca, o republicano usou a ameaça de tarifas para conseguir um acordo de controle de imigração com o México. Agora, a ameaça se estende ao Canadá no momento em que Trump pretende renegociar o acordo de livre comércio que substituiu o Nafta e precisa ser renovado pelos três países até meados de 2026. •