O Estado de S. Paulo, n. 47921, 30/12/2024. Política, p. A6

Dino cobra ajustes, mas libera parte das emendas de comissão
Rayssa Motta

 

 

Embora aponte “nulidade insanável” na indicação das emendas por líderes de partidos, ministro do STF desbloqueou recursos para não comprometer planejamento de Estados e municípios.

“Verifico o ápice de uma balbúrdia quanto ao processo orçamentário” Flávio Dino, ministro do STF

O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), liberou ontem parte dos R$ 4,2 bilhões em emendas de comissão que ele próprio havia bloqueado. Os valores foram desbloqueados para não comprometer o planejamento financeiro de Estados e municípios que devem receber essas verbas. Foram liberados recursos que já haviam sido empenhados antes da decisão que suspendeu os repasses.

“A fim de evitar insegurança jurídica para terceiros (entes da Federação, empresas, trabalhadores), fica excepcionalmente admitida a continuidade da execução do que já foi empenhado como ‘emenda de comissão’ até o dia 23 de dezembro de 2024, salvo outra ilegalidade identificada em cada caso concreto”, escreveu o ministro.

Embora tenha liberado o dinheiro – o montante liberado não foi divulgado –, Dino disse ver “nulidade insanável” na indicação das emendas de comissão e reiterou a necessidade de ajustes para 2025. Segundo o ministro, “ao Poder Executivo fica definitivamente vedado empenhar” recursos no modelo atual, em que os líderes dos partidos assumem a autoria dos pedidos de destinação de verbas, ocultando os parlamentares por trás das indicações. Dino também classificou o sistema como “anômalo”.

A Câmara dos Deputados vem insistindo que cumpriu todas as normas para a indicação das emendas. Em ofício enviado ao Supremo na sexta-feira passada, a Casa Legislativa afirmou que os líderes partidários apenas confirmaram emendas já indicadas pelas comissões.

O regime de “apadrinhamento” das emendas de comissão pelos líderes partidários contraria decisões anteriores do STF, que condicionaram a destinação dos recursos aos requisitos da transparência e da rastreabilidade.

O tema emendas parlamentares virou motivo de embate entre Legislativo e Judiciário e de impasse institucional entre os Poderes.

Na decisão de ontem, o ministro voltou a defender o inquérito da Polícia Federal (PF), determinada por ele, para investigar a captura das emendas de comissão. Segundo Dino, a necessidade de investigação “torna-se a cada dia mais nítida”. “Verifico o ápice de uma balbúrdia quanto ao processo orçamentário – certamente inédita”, criticou.

SAÚDE. O ministro também autorizou a movimentação de recursos reservados para investimentos na área da saúde. Em decisão anterior, ele havia exigido a abertura de contas bancárias específicas para cada emenda, o que facilita a fiscalização dos recursos. Como elas ainda não foram abertas, Dino permitiu os repasses via fundos de saúde, mas só até o dia 10 de janeiro. Depois, as transferências só poderão ocorrer por meio de contas reservadas.

“A atual exiguidade do tempo, inclusive com o término de mandato de prefeitos, autoriza uma modulação quanto a essas obrigações”, ponderou o ministro. Além disso, Dino permitiu que, até o dia 31 de dezembro de 2024, sejam empenhadas emendas impositivas para a saúde, também sem as contas específicas.

CRISE. Em 2021, o Supremo barrou o chamado orçamento secreto, revelado pelo Estadão. Desde então, Legislativo e Judiciário vivem um impasse em torno da execução das emendas. A crise escalou novamente na semana passada, depois que Dino suspendeu o pagamento de R$ 4,2 bilhões em emendas de comissão, que estavam previstos para serem pagos até o fim do ano, por considerar que os recursos não podem ser distribuídos sem a identificação dos parlamentares que efetivamente fizeram os pedidos.

O ministro é relator de diferentes ações no STF sobre o tema. Ele vem cobrando adaptações para tornar o processo de transferência de recursos mais transparente e aberto ao controle público, enquanto o Congresso avalia que há uma interferência indevida nas atividades legislativas.

Na última sexta-feira, a Câmara pediu o desbloqueio dos recursos, alegando que não desrespeitou as regras e que o congelamento do dinheiro poderia comprometer o funcionamento de serviços públicos essenciais. No mesmo dia, Dino pediu respostas “objetivas” a questionamentos sobre a indicação dos recursos. A Câmara reiterou os argumentos que havia apresentado.

Na decisão de ontem, Dino afirma que as manifestações demonstram “incoerências internas, contradições com outras peças constantes dos autos e – o mais grave – confronto com a ordem jurídica pátria”.

Na manifestação da Advocacia da Câmara, a Casa disse quer agiu “sob orientação jurídica” de pastas do governo Lula ao indicar os R$ 4,2 bilhões em emendas e afirmou estranhar que o Senado não vinha sendo cobrado de igual forma. Como mostrou a Coluna do Estadão, no despacho de ontem, Dino deu um prazo de dez dias úteis para que os senadores se manifestem. •