O Estado de S. Paulo, n. 47889, 28/11/2024. Política, p. A11
Decisões de juiz serão alvo de devassa, a pedido de ministro
Pepita Ortega
Fausto Macedo
O ministro Mauro Campbell, corregedor nacional de Justiça, determinou uma devassa em todos os processos julgados nos últimos cinco anos pelo juiz Paulo Afonso de Oliveira, da 2.ª Vara Cível de Campo Grande, sob suspeita de ligação com esquema de venda de sentenças que alcança desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJ-MS). O corregedor mandou a Corte estadual informar, uma a uma, as ações decididas por Paulo Afonso que tenham sido eventualmente patrocinadas por advogados filhos de desembargadores suspeitos de corrupção.
O Estadão pediu manifestação do juiz, via Tribunal de Justiça do Estado e Associação de Magistrados do Mato Grosso do Sul, mas não obteve resposta.
A iniciativa de Campbell toca em uma questão altamente sensível no Judiciário – a forte influência de bacharéis filhos de magistrados, inclusive de ministros de Cortes superiores, que da noite para o dia assumem o patrocínio de causas bilionárias e fazem as ações chegarem rapidamente a resultados de interesse das partes que os contrataram.
O pente-fino na 2.ª Vara Cível de Campo Grande deve revelar a lista de processos em que foram constituídos os advogados Fábio Castro Leandro, Rodrigo Gonçalves Pimentel e Divoncir Schreiner Maran Júnior – respectivamente, filhos dos desembargadores Paschoal Carmello Leandro, Sidenir Soncini Pimentel e Divoncir Schreiner Maran.
Os advogados e os desembargadores são investigados. Em outubro, a Polícia Federal (PF) fez buscas por suspeitas de envolvimento com venda de sentenças no TJ-MS.
Pente-fino
Investigação deve revelar processos constituídos por bacharéis filhos de desembargadores.
O tribunal é alvo da PF na Operação Ultima Ratio, investigação que põe sob suspeita de venda de sentenças cinco desembargadores: Vladimir Abreu da Silva, Alexandre Aguiar Bastos, Sideni Soncini Pimentel, Marcos José de Brito Rodrigues e Sérgio Fernandes Martins (presidente da Corte), todos afastados de suas funções por ordem do ministro Francisco Falcão, do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os magistrados estão sob monitoramento de tornozeleira eletrônica. Um sexto desembargador, Júlio Roberto Siqueira Cardoso, aposentado desde julho, também é investigado. Em sua casa, a PF encontrou quase R$ 3 milhões em dinheiro vivo.
Na esteira da Operação Ultima Ratio, o ministro Campbell instaurou procedimento de âmbito disciplinar no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Os dados requisitados por Campbell vão abastecer uma reclamação disciplinar aberta sobre o juiz Paulo Afonso para apurar possíveis violações ao Código de Ética da Magistratura e à Lei Orgânica da Magistratura, em paralelo às investigações da PF sobre supostos crimes de formação de associação criminosa, corrupção passiva e lavagem de capitais.
Quando a Operação Ultima Ratio foi aberta, o Estadão pediu manifestação dos magistrados via o TJ-MS. A Corte indicou que não pode contatar os magistrados em razão de decisão do STJ.
Paulo Afonso de Oliveira também foi alvo da operação da PF, em razão de um caso que era dado como encerrado na esfera administrativa – o reconhecimento de uma dívida que nunca existiu, que resultou no pagamento indevido de R$ 5 milhões a uma advogada acusada de estelionato. Ela chegou a ser condenada, mas o STJ derrubou a sentença.
No CNJ, o magistrado entrou na mira de apuração por indícios de que “muito possivelmente, atuou em processos nos quais as partes tiveram seus interesses patrocinados por advogados que dispunham de grande proximidade com o magistrado”. Ele está sob suspeita de ter recebido propinas “para a prolação de decisões judiciais”. Campbell pediu a cópia das investigações da Ultima Ratio ao ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF) – que assumiu a relatoria do inquérito. •