O Globo, n. 32.302, 14/01/2022. Economia, p. 9

GESTÃO POLÍTICA DO CAIXA
Manoel Ventura, Daniel Gullino e Gabriel Shinohara


O presidente Jair Bolsonaro editou um decreto que dá mais poder à Casa Civil na execução do Orçamento deste ano, diminuindo a autonomia do Ministério da Economia, comandado por Paulo Guedes. O texto, publicado ontem no Diário Oficial da União, determina que a Casa Civil terá de dar aval as ações de abertura, remanejamento ou corte de despesas do dia a dia dos ministérios. Para analistas, a decisão reforça a perda de poder de Guedes para a ala política em ano de eleição. Para o governo, é uma forma de blindar o caixa, fortalecer o Centrão e evitar que adversários do presidente recebam verbas de emendas.

No início do ano, o governo publica um decreto delegando ao Ministério da Economia a competência para ações como abertura de crédito suplementar ou transferência de dotações orçamentárias. Desta vez, foi acrescentado um trecho determinando que a prática está “condicionada à manifestação prévia favorável” da Casa Civil.

A pasta é comandada por Ciro Nogueira, senador licenciado (PP-PI) e um dos líderes do Centrão, bloco de partidos que sustenta a base parlamentar de Bolsonaro. Decisões que eram técnicas passarão a ser analisadas também sob a ótica política.

ACORDO POLÍTICO SEM AVAL

Integrantes do governo dizem que o decreto foi feito porque ministros e parlamentares vinham fechando acordos políticos sem o aval da Casa Civil, que coordena as ações de governo. Com isso, foram liberados recursos para bases eleitorais de adversários políticos de Bolsonaro, enquanto aliados do presidente ficavam com menos dinheiro.

O decreto dá poder a Ciro Nogueira para honrar os acordos de emendas parlamentares, alguns deles que vinham sendo travados pelo Ministério da Economia.

Internamente, auxiliares de Guedes reconhecem que o decreto vai ser lido como enfraquecimento do ministro, mas afirmam que não há disputa com Ciro Nogueira. Além disso, lembram que a pressão por rearranjos orçamentários cairá também sobre a Casa Civil.

Para o economista Fábio Austrauskas, CEO da Siegen Consultoria, a decisão representa a troca de uma decisão mais técnica do Ministério da Economia por uma “mais política” da Casa Civil.

— Estamos trocando, mais uma vez, decisões técnicas por decisões políticas que, lá na frente, regra geral, acabam sendo muito mais frouxas no que se refere a gastar e geram consequências para o futuro governo —disse.

Austrauskas diz que “não dá para ignorar” que o decreto está atrelado a viabilizar despesas e promessas de campanha, de olho no ano eleitoral:

—É uma perda de poder desenhada e implementada a partir do momento em que ele (Paulo Guedes) assumiu com a tal carta branca, um “Posto Ipiranga”. Não é a primeira e talvez não seja a última vez que ele perde força.

Atualmente, a Junta de Execução Orçamentária — composta pela Casa Civil e pela Economia, mas da qual Flávia Arruda (Secretaria de Governo) participa de maneira informal —define os limites globais de empenho (primeiro passo para a despesa), movimentação e remanejamentos. A execução disso, porém, era feita apenas por portarias do Ministério da Economia. Agora, toda a ala política do governo terá de acompanhar.

‘BURACO’ DE R$ 9 BILHÕES

Cristina Helena Pinto de Melo, professora de economia da PUC-SP, disse que a decisão pode ser “estrategicamente inteligente” pois dá margem de negociação para o governo ao dividir a pressão das despesas:

— Uma vez que o processo esteja encaminhado no Ministério da Economia, é a Casa Civil que aprova ou não. Ela passa ater poder de escolher os projetos de interesse do gestor do Estado e, em um ano eleitoral, isso faz muita diferença.

O ministério de Guedes já passou por desgastes recentemente, ao pedir uma série de vetos ao Orçamento de 2021.

Agora, a pasta avalia que há “um buraco” de R$ 9 bilhões no Orçamento de 2022 por despesas subestimada seque precisam ser recompostas. Deste total, ao menos R$ 3 bilhões seriam para pagar salários de servidores; outros R$ 800 milhões, para compor o fundo eleitoral. Há mais R$ 5 bilhões que iriam para o Ministério da Economia. Faltam recursos para os sistemas da Receita Federal, cuja verba foi cortada pela metade. Esses sistemas processam toda a arrecadação federal, inclusive o Imposto de Renda.

Segundo integrantes do governo, os R$ 16,5 bilhões das emendas de relator (base do “orçamento secreto”), usadas para irrigar redutos eleitorais de aliados do Palácio do Planalto, devem ser preservados, pois são fruto de acordo político. Mas há outros R$ 9 bilhões que os parlamentares aprovaram fora destas emendas. É aí que o governo quer cortar. Auxiliares de Bolsonaro avaliam que o decreto que dá poder a Ciro deve facilitar, pois ele definirá onde serão feitos cortes.

R$3 bi é a parcela que falta no Orçamento para pagar servidores Salários são despesas obrigatórias e precisam ter previsão orçamentária. Faltam ainda R$ 800 milhões para o fundo eleitoral.