Correio Braziliense, n. 22590, 23/01/2025. Política, p. 3
Rejeição a generais e medo da PF
Israel Medeiros
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) disse ontem que se pudesse voltar no tempo teria escolhido ministros mais “parrudos” e “casca grossa” em vez de generais para os ministérios palacianos no seu governo. Segundo ele, faltou “competência” e “malícia” para “enfrentar o sistema”.
“O sistema tá forte, tá aí (sic).
Faltou competência para nós, malícia. Você me pergunta o que eu faria diferente. Os ministros palacianos seriam diferentes.
Eu não teria mais alguns nomes, um general ali. Eu não teria mais general ali. Teria ministro mais parrudo, mais casca grossa, para enfrentar o sistema”, disse, em entrevista ao canal bolsonarista Fio Diário.
Os ministérios chamados palacianos são aqueles cuja sede fica dentro do Planalto. São eles a Casa Civil, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), a SecretariaGeral e a Secretaria de Governo. As chefias dessas pastas foram ocupadas pelos generais Walter Braga Netto — preso desde dezembro por participação, segundo a Polícia Federal, na trama golpista do fim de 2022 — que comandou a Casa Civil e também foi ministro da Defesa; Augusto Heleno — também suspeito de integrar a trama golpista de 2022 (GSI, de 2019 a 2022) —; Santos Cruz (Secretaria de Governo, 2019); e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo de 2019 a 2021; Casa Civil, 2021; e Secretaria-Geral da Presidência de 2021 a 2023).
A mudança de discurso vem depois de a Polícia Federal indiciar 28 militares por participação em um plano de golpe de Estado no fim de 2022, depois de Bolsonaro perder as eleições para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O ex-chefe do Executivo, também indiciado, é apontado pela PF como o líder da organização criminosa que planejou abolir o Estado Democrático de Direito e impedir que o petista tomasse posse.
Na mesma entrevista, Bolsonaro disse que seria “fácil” dar um golpe em 2022, mas que sua experiência como militar, deputado e presidente lhe dizia que haveria consequências no “day after” (dia seguinte).
“O que eu poderia fazer fora das quatro linhas? Diga. Ponto final. Fazer besteira? É fácil. Eu quero ver o after day (day after), o dia seguinte. (Com) a idade que eu tenho, a experiência que eu tinha de 28 anos de parlamento, 15 de Exército e três na Presidência, a gente sabe o que se pode fazer, a gente sabe das consequências”, afirmou.
Traumas
Segundo ele, a passagem pela Presidência da República lhe deixou traumas. Nas últimas entrevistas que tem dado a canais bolsonaristas no YouTube, o ex-chefe do Executivo tem repetido que, durante seu mandato, em diversas ocasiões, chorava no gabinete presidencial. Ontem, ele frisou que uma das consequências de ter chegado à Presidência é ter, todos os dias, a sensação de que a Polícia Federal está à sua porta logo pela manhã.
“Eu digo e alguns até reclamam: não é fácil a vida de presidente.
(Perguntam) ‘se é tão difícil, por que tu quer ir pra lá?’.
Porque eu quero ajudar o meu país. Como é que você acha que eu acordo todo dia? Com a sensação da PF na porta! Qual a acusação? Não interessa”, disse.
Outra tônica das entrevistas de Bolsonaro é o motivo da derrota em 2022. Ontem, ele voltou a culpar o sistema eleitoral brasileiro e destacou que o país deveria ter um sistema de votação igual ao da Venezuela, país que o ex-presidente criticou ativamente durante seu mandato.
Para ele, a existência do voto impresso no sistema venezuelano foi o que permitiu à comunidade internacional perceber que havia fraude nas eleições do último ano que reconduziram Nicolás Maduro. Até hoje, no entanto, as autoridades venezuelanas não forneceram as atas eleitorais, a despeito dos pedidos de organizações internacionais.
A afirmação de Bolsonaro, portanto, é falsa.
“Hoje, nós clamamos aqui por um sistema eleitoral semelhante ao da Venezuela. (...) Só o Brasil e mais dois países insignificantes têm isso daí”, referindo-se à urna eletrônica adotada no Brasil. Ele também sustentou que é perseguido pelo Judiciário e que não pode mais dizer que há ou que houve fraudes no sistema eleitoral brasileiro. “Se eu falar em fraude aqui, pode daqui a meia hora a Polícia Federal bater na minha porta”, justificou.
As indiretas de Flávio
Em uma publicação de tom elogioso à trajetória política do pai, Jair Bolsonaro, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) mandou, ontem, indiretas a aliados políticos, na mesma semana em que ocorrem desentendimentos dentro do PL, partido de ambos.
Sem citar nenhum episódio específico, o parlamentar disse ter ficado “estarrecido” quando vê lideranças políticas, segundo ele, surgidas “da própria costela” do pai, não seguirem a orientação do ex-presidente.
A publicação foi feita em seu perfil no X (antigo Twitter). Flávio ainda qualificou tais atuações como “falta de consideração” e “ignorância de como funciona o jogo do poder no Brasil”.
Na segunda-feira, Bolsonaro deu uma “bronca” em seu exministro da Ciência e Tecnologia, o hoje senador Astronauta Marcos Pontes (PL-SP), que se lançou candidato para disputar a Presidência do Senado sem o aval do partido. Chamando a postura do correligionário de “lamentável”, o ex-presidente disse que se o partido “embarcar na candidatura” do senador, acabará ficando sem comissões.
O PL apoia a eleição do senador Davi Alcolumbre (União BrasilAP) em um acordo fechado para a legenda ganhar espaço na Casa — e, dessa forma, projetos caros ao bolsonarismo ganharem fôlego.
Pontes, porém, reafirmou que concorrerá ao cargo, que será decidido em 1º de fevereiro. E disse que “amigo é assim mesmo: às vezes concorda, às vezes não”.
Flávio também faz referência a quem coloca o pai como “carta fora do baralho” e insistiu que “Deus dará uma segunda chance a Bolsonaro para governar o Brasil”.
Inelegível até 2030, o ex-presidente também fez, horas antes, críticas a iniciativa de candidatos com “pouca idade”, que se dizem “terceira via” e representariam uma “direita limpinha” para as eleições de 2026. Foi em entrevista a um canal no Youtube.
A indireta vai na direção do deputado Nikolas Ferreira (PL -MG) e do ex-candidato à Prefeitura de São Paulo Pablo Marçal (PRTB).
Faltou competência para nós, malícia. Você me pergunta o que eu faria diferente. Os ministros palacianos seriam diferentes. Eu não teria mais general ali. Teria ministro mais parrudo, mais casca grossa, para enfrentar o sistema”
Jair Bolsonaro, ex-presidente da República
Vacina e joias
Além da tentativa de golpe, Bolsonaro já foi indiciado em outras duas ocasiões pela PF: no caso envolvendo a fraude em seu cartão de vacinas e na tentativa de incorporar joias da Presidência ao seu acervo pessoal.