Correio Braziliense, n. 22590, 23/01/2025. Política, p. 3
Plataformas ignoram debate sobre regulação
Vinicius Doria
As big techs não responderam ao convite da AdvocaciaGeral da União (AGU) para que participassem, ontem, da audiência pública convocada pelo governo para debater a regulamentação das redes sociais no Brasil. O encontro recebeu mais de 200 inscrições de representantes de entidades governamentais e da sociedade civil ligadas ao tema. As grandes plataformas, porém, não deram nenhuma explicação aos anfitriões sobre o motivo do não comparecimento.
O advogado-geral da União, Jorge Messias, minimizou a ausência e disse que o governo continua aberto ao diálogo sobre regulamentação e moderação de conteúdos nas redes. “Eles (as big techs) têm o direito de vir ou não vir. Não vieram, mas podem mandar subsídios até sextafeira” disse, após reafirmar que “o governo brasileiro continuará dialogando com todas plataformas, como sempre fez”.
Para o ministro, o objetivo do governo é “encontrar uma solução que dê segurança a todos os brasileiros”. Sobre a ausência da Meta — dona do Facebook, do Instagram e do WhatsApp —, que anunciou, há duas semanas, o fim dos mecanismos de checagem de fatos e de moderação de conteúdo, Messias disse que não compromete o debate.
“As portas da AGU e do governo federal estão sempre abertas para dialogar com todas as empresas que aqui participem do ambiente de negócios brasileiro e que tenham essa disposição”, frisou.
Com a audiência, a AGU espera levantar subsídios para apresentar ao Supremo Tribunal Federal (STF), que julga a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet — e segundo interpretação das próprias plataformas, as isenta dos conteúdos que publicam. A AdvocaciaGeral participa desse julgamento como “amicus curiae”, ou seja, é parte interessada.
A decisão da Meta e a presença dos donos das principais plataformas na posse do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, levantaram questionamentos sobre o poder econômico e político que essas empresas passam a deter com o apoio incondicional do novo governo norte-americano.
Foi, também, um dos aspectos mais citados pelos debatedores na audiência, por causa do risco de que conteúdos falsos ou discursos de ódio, violência e discriminação passem a circular ostensivamente.
“Nos preocupa muito a expansão do racismo, da misoginia, dos preconceitos mais variados.
É fundamental que possamos avançar na direção de ambientes digitais seguros e que respeitem os direitos humanos”, disse a ministra de Direitos Humanos e Cidadania, Macaé Evaristo, na abertura da audiência.
Vácuos legais
Um dos consensos é a falta de dispositivos legais no Brasil que normatizem a atuação das big techs e estabeleçam limites que impeçam a circulação de conteúdos que estimulem ódio e preconceito, e ameacem as camadas mais vulneráveis da população.
Para os debatedores, o que é considerado crime no mundo real deve ter o mesmo tratamento no ambiente virtual.
Bia Kira, professora de direito na Universidade de Sussex (Inglaterra) e especialista em direito digital, citou a nova legislação britânica sobre o tema, que define com clareza o que não pode circular nas redes. “Se um conteúdo é ilegal deve ser proibido”, resumiu. Por causa de leis como essa, a Meta não incluiu o Reino Unido e os países da União Europeia (que também têm leis rigorosas) nas novas diretrizes de publicação de conteúdos.
Para ela, o Brasil também precisa de uma legislação que estabeleça esses limites.
Laura Schertel, professora de direito digital da Universidade de Brasília (UnB) e do IDP, reforçou a avaliação de que a legislação brasileira é frouxa para balizar a atividade das big techs. Ela defendeu a necessidade de criação de uma “entidade independente” para “regular esses conteúdos de forma sistêmica”, e não individualmente.
“Temos que aprender a lidar com esses conteúdos criminosos”, advertiu.
Para Jorge Messias, essa é uma questão prioritária para o governo. “Colocaremos nossos esforços para que isso seja uma realidade, para que mães e pais de família possam ficar mais tranquilos com as crianças; que os comerciantes fiquem mais tranquilos e seguros na realização de negócios; que os consumidores se sintam mais protegidos na realização de operações diárias utilizando essas plataformas; e que a sociedade em geral sinta que pode confiar”, observou.
(As big techs) têm o direito de vir ou não. Não vieram, mas podem mandar subsídios até sexta-feira. O governo brasileiro continuará dialogando com todas plataformas, como sempre fez. As portas da AGU e do governo federal estão sempre abertas para dialogar com todas as empresas que aparticipem do ambiente de negócios e que tenham essa disposição”
Jorge Messias, advogado-geral da União