O Globo, n.32.302, 14/01/2022. Economia, p. 10
Ministros do STF alertam sobre reajustes em cascata
Manoel Ventura e Mariana Muniz
Se houver aumento somente para policiais e outras categorias acionarem o Supremo pedindo isonomia, a Corte deve estender benefícios. Integrantes do governo consultaram membros do tribunal sobre o assunto.
Em consultas informais feitas por auxiliares do presidente Jair Bolsonaro, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) avisaram que conceder reajustes salariais para categorias específicas, como a de policiais federais, pode desencadear uma série de ações na Corte, cobrando o mesmo tratamento para todos os servidores, de acordo com integrantes do governo.
O Supremo pode obrigar o “alinhamento” do tratamento dado a uma categoria às demais carreiras do Executivo, após dois anos de reajustes suspensos.
Mesmo que a decisão de Bolsonaro seja a de conceder o reajuste apenas para policiais, o governo pode ser obrigado a dar aumentos para várias categorias, com impacto fiscal muito maior. Esse alerta foi levado por auxiliares ao próprio Bolsonaro.
Pelas estimativas, cada ponto percentual de reajuste geral para servidores gera gastos entre R$ 3 bilhões e R$ 4 bilhões. E esse efeito é permanente, exigindo cortes em outras áreas do Orçamento. A pedido de Bolsonaro, o Congresso aprovou uma reserva de R$ 1,9 bilhão para atender reajustes em 2022.
O presidente já indicou que quer usar o dinheiro para aumentar os vencimentos de integrantes da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal, de agentes penitenciários e servidores do Ministério da Justiça.
No último fim de semana, o próprio Bolsonaro mudou de tom e disse que “não está garantido reajuste para ninguém”:
— Primeiramente, não está garantido reajuste para ninguém. Tem uma reserva de R$ 2 bilhões que você pode usar, poderia ser usado para PF, PRF, e também para o pessoal do sistema prisional, mas não está nada garantido no tocante a isso aí.
O aceno a policiais gerou reação das demais categorias de servidores, que cobram tratamento semelhante. Chefes da Receita Federal entregaram cargos e auditores fiscais estão fazendo paralisações. Funcionários do Banco Central também pediram aumento, além de outras categorias.
Nos bastidores, o ministro da Economia, Paulo Guedes, alertou o presidente Jair Bolsonaro de que conceder o reajuste apenas para uma categoria vai aumentar a pressão. E recomendou que o melhor é não aumentar os salários de ninguém.
Na avaliação de Guedes e sua equipe, segundo fontes, conceder reajuste apenas para policiais vai ter um efeito “explosivo”, porque no dia seguinte “todo mundo” vai querer.
O aumento de casos de Covid-19 também é usado como argumento contra o reajuste porque, na avaliação da equipe econômica, o Brasil ainda não venceu a guerra contra o vírus, que impacta a economia. Além disso, funcionários da iniciativa privada não tiveram aumentos expressivos.
SEM REFORMAS
Guedes trabalhava para atrelar a reestruturação salarial das carreiras à aprovação da reforma administrativa, como aconteceu com a dos militares das Forças Armadas na reforma da Previdência em 2019.
A avaliação é que seria possível conceder aumentos no projeto, já que estava garantida a economia de gastos ao longo dos próximos anos. Mas o próprio governo acabou abandonando a reforma administrativa.
O presidente Bolsonaro afirmou esta semana que compreende que o Congresso não deve votar reformas estruturais neste ano de eleições.