O Estado de S. Paulo, n. 47924, 02/01/2025. Economia & Negócios, p. B2

Preocupação com dívida pública pressiona previsões de inflação.
Alvaro Gribel

 

 

A preocupação no mercado com o crescimento acelerado do endividamento público tem se refletido nas projeções de inflação de longo prazo. O último relatório Focus, um compilado feito pelo Banco Central, mostra estimativas bem acima do centro da meta (de 3%) para o IPCA até 2027. Para este ano, por exemplo, a projeção mediana é de alta de 4,96% – acima também da margem de tolerância (de até 4,5%).

Se a dívida de um governo sobe muito rapidamente, a sua moeda tende a se desvalorizar também com velocidade, provocando inflação. Com isso, a solução para o Banco Central é subir os juros, o que torna mais cara a rolagem da dívida, provocando um círculo vicioso.

“O fato de as expectativas para 2027 terem começado a ‘desancorar’ ( subir) é muito preocupante. 2027 não tem nada a ver com a necessidade de subir juro por uma economia sobreaquecida que está gerando pressões sobre a inflação. A desancoragem de 2027 reflete a perda de credibilidade do regime de metas de inflação, e o Banco Central não pode validar isso. Estamos claramente vendo sintomas de dominância fiscal”, afirmou o economista-chefe para a América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos.

Depois de dois anos de fortes ataques contra Roberto Campos Neto, antecessor de Gabriel Galípolo no comando do BC, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem evitando críticas diretas a seu indicado, mesmo com o aumento recente dos juros.

Para o professor da PUCRio Luiz Roberto Cunha, Galípolo começará no cargo com duas blindagens: uma, pelo próprio Lula; a outra, pelo BC, que na reunião de dezembro do Comitê de Política Monetária (Copom) deu o “guidance” (indicação futura) de mais duas altas da Selic nas reuniões deste mês e em março. “Agora, é contar com alguma sorte na área externa e com um pouco de ajuda do Congresso quando novas propostas ( de contenção de gastos) forem analisadas no primeiro semestre.”

Cunha vê a sinalização de Lula como um entendimento de que custará caro ao governo interferir no BC, mesmo com todas as críticas que vêm sendo feitas pelo PT sobre a condução da atual política de juros.

CENÁRIO EXTERNO. Em relatório a clientes, o economista Luis Otávio Leal, da G5 Partners, afirmou que o cenário externo é um desafio a mais para o BC no ano. A eleição de Donald Trump nos EUA provocou uma forte valorização do dólar em todo o mundo, o que também contribuiu para o enfraquecimento do real.

Leal afirma que o índice DXY, que mede a força do dólar em relação a uma cesta de moedas, disparou 8% desde que Trump começou a despontar na frente das pesquisas eleitorais. Isso acontece porque duas promessas de campanha de Trump têm efeitos inflacionários nos EUA: a restrição à imigração e o aumento de barreiras comerciais, o que tende a levar o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) a cortar menos os juros

Pressão externa

Eleição de Trump nos EUA provocou forte alta do dólar no mundo e impactou ainda mais o real

do que o esperado. “Com a inflação mais alta, o Federal Reserve teria de manter os juros em patamar superior ao esperado, e juros mais altos significam moeda mais forte; o detalhe é que, quando essa moeda forte é o dólar, o mundo inteiro padece”, diz Leal, lembrando que Trump quer elevar as tarifas em 10% para todos os países e em 35% para os produtos chineses, o que pode levar a uma guerra comercial, com impacto inflacionário e reflexos também no Brasil. •