Correio Braziliense, n. 22592, 25/01/2025. Brasil, p. 6
Críticas à mudança na regra da mamografia
Maria Beatrzi Giusti
A possibilidade de a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) elevar para os 50 anos a idade do rastreamento bienal de câncer de mama por meio da mamografia, tal como é feito no Sistema Único de Saúde (SUS), provocou protestos de entidades médicas e gerou polêmica nas rede sociais, com críticas de mulheres que tiveram a doença — entre elas, a apresentadora de tevê Ana Furtado. Por isso, ANS abriu consulta pública, que encerrou-se na quinta-feira, para ouvir os setores da sociedade a respeito do tema. Além disso, a Procuradoria-Geral da República cobrou esclarecimentos.
Em nota ao Correio, a agência salienta que a proposta não proíbe a mamografia para mulheres na faixa dos 40 anos. A ideia, segundo a autarquia, é incentivar os planos de saúde a procurarem as beneficiárias com mais de 50 anos para que façam o rastreamento anual. Segundo a ANS, a regra vigente hoje está mantida.
"Nada muda em termos de cobertura assistencial. Nem se trata de uma recomendação para que apenas mulheres com idade a partir de 50 anos façam mamografias. A prevenção é fundamental e o médico assistente é que vai indicar o momento de fazer os exames, que têm cobertura garantida no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS", observa a autarquia.
A alteração da periodicidade do exame é uma recomendação do Instituto Nacional do Câncer (Inca). A medida, segundo a ANS, faz parte do Programa de Certificação de Boas Práticas em Atenção Oncológica (OncoRede).
"Para ter o certificado de qualidade, as operadoras que participarem do programa de certificação — a adesão é voluntária —, deverão cumprir requisitos relacionados a diversos tipos de câncer. Um desses requisitos é o rastreamento populacional em mulheres com idades entre 50 e 69 anos. Ou seja, para ser pontuada no programa, a operadora terá que entrar em contato — busca ativa — com todas as mulheres com idades entre 50 e 69 anos — para alertar sobre a importância da realização de mamografia. Trata-se de uma ação junto a essa população-alvo específica. E esse rastreamento populacional é um dos critérios para pontuação no programa de certificação", observa a ANS.
Recomendação
Apesar dos esclarecimentos da agência, entidades médicas continuam a defender a recomendação da mamografia a partir de 40 anos. De acordo com a gerente de advocacy do Oncoguia, Helena Esteves, o OncoRede tem várias normas para o bom tratamento oncológico e, caso a operadora cumpra esses requisitos, lhe serão atribuídos certificados de boas práticas.
"Entre esses requisitos, está a recomendação de mamografia a partir dos 50. Isso não significa que uma mulher abaixo de 50 anos, ou até 40 anos, não poderá fazer o exame pelo plano de saúde. Mas é claro que esse programa abre espaço para a operadora dar uma negativa de mamografia para uma mulher mais jovem", adverte.
De acordo com a Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama), 40% dos diagnósticos de câncer de mama em mulheres são realizados abaixo dos 50 anos e 22% das mortes acontecem neste grupo. A maior parte das operadoras segue a recomendação das entidades médicas, viabilizando o rastreio mamográfico anual a partir dos 40 anos.
"Considerando que a diferença na taxa de sobrevida para mulheres entre 40-50 anos, que tiveram seu diagnóstico pelo rastreamento mamográfico, é de 25% a mais em 10 anos, o único benefício da alteração da diretriz proposta com a certificação é a redução de custos com exames para as operadoras. Vale ressaltar, ainda, que os custos com diagnósticos avançados a longo prazo não estão sendo considerados", alerta a nota da federação.
Presidente da Femama, a mastologista Maira Caleffi questiona a possibilidade de a ANS adotar as diretrizes do Inca, apesar do Rol de Procedimentos — que recomenda a mamografia aos 40 anos. "Questionamos essa mudança na idade, que não está de acordo com os entendimentos mais recentes", argumenta.
Segundo Maira, "a discussão sobre idade e periodicidade de exames de mamografia não é nova no Brasil, e não existe consenso científico sobre a questão. Mas a legislação prevê, de forma clara, que o exame mamográfico é assegurado a todas as mulheres com idade superior a 40 anos no SUS, anualmente". Ela frisa que, além do câncer, a mamografia pode detectar outras anomalias.
"A mamografia é um exame de imagem das mamas feito por radiografia. É capaz de gerar imagens detalhadas, e de alta resolução, da estrutura e tecidos internos da mama. É o melhor exame para o rastreio do câncer, mas, também, serve para detectar outras anormalidades — como lesões, assimetrias, nódulos e linfomas, por exemplo", esclarece.
Intervenções
De acordo com Janice Lamas, médica e pesquisadora de câncer de mama, a detecção precoce em mulheres entre 40 e 50 anos possibilita intervenções menos agressivas e, em muitos casos, evita-se a quimioterapia. "Isso reduz não apenas os custos associados a tratamentos mais invasivos, mas, também, o impacto psicológico e físico na vida das pacientes. Essa mudança, ao recomendar rastreamento bienal, pode levar ao diagnóstico tardio de tumores maiores e mais avançados, especialmente em mulheres economicamente ativas e com alta contribuição à sociedade", explica.
O Conselho Federal de Medicina (CFM) emitiu nota na qual se posiciona contrariamente à iniciativa. "Decisões que afetam a saúde das mulheres devem ser baseadas em evidências robustas e amplamente debatidas, visando assegurar um cuidado mais eficaz e equitativo em todo o território nacional", salienta a entidade.