Correio Braziliense, n. 22592, 25/01/2025. Política, p. 3
GDF condecora coronel investigada pela PF
Renato Souza
O Governo do Distrito Federal condecorou, nesta semana, com a Medalha Mérito Integração de Segurança Pública, a tenente-coronel Kelly de Freitas Cezário, da Polícia Militar do DF. A oficial é investigada pela Polícia Federal por suspeita de tentar combinar depoimento de um réu que é alvo do inquérito sobre os atos golpistas de 8 de janeiro.
Kelly teria entrado em contato com a esposa do major Flávio Silvestre de Alencar para alinhar estratégias de defesa com o ex-comandante-geral da PMDF coronel Fábio Augusto Vieira, também investigado.
A condecoração foi publicada no Diário Oficial do DF na última segunda-feira.
Em 8 de janeiro de 2023, Kelly ocupava o posto de comandante do 6ª Batalhão, chamado Batalhão da Esplanada. À época, ela estava de férias e não é investigada por omissão em relação aos ataques extremistas. Porém, informações obtidas pelo Correio apontam que a militar foi citada pelo responsável da área de segurança da Câmara dos Deputados, Adilson Paz, em depoimento à Procuradoria-Geral da República (PGR), no âmbito da investigação que corre no Supremo Tribunal Federal (STF).
Perguntado se no dia 8 ele chegou a ter algum tipo de contato com a coronel Cintia Queiroz, que à época era subsecretária de Operações da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF), Adilson disse que não, mas citou Kelly. “Com a coronel Cintia, especificamente, não. Eu entrei em contato com a coronel Kelly, que era a comandante do 6° Batalhão”, disse ele.
Em seguida, o gestor afirmou que Kelly minimizou a situação poucas horas antes de os atentados acontecerem. “Ela respondeu que estaria com o efetivo, com as especializadas e que o grupo ficaria ali na Avenida José Sarney. Não desceria para a Rua das Bandeiras.
A Rua das Bandeiras é um pouco mais próxima do Congresso Nacional.
Então ele ficaria um quadrante acima. Foi essa a resposta dela”, declarou Adilson na oitiva.
Durante as férias em 2023, Kelly foi substituída pelo major Flávio Alencar, que chegou a ser preso preventivamente e hoje responde ao caso em liberdade, cumprindo medidas cautelares impostas pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF. Atualmente, a oficial tem cargo comissionado na Subsecretaria de Operações Integradas — Sopi.
Procurados pela reportagem, o governador Ibaneis Rocha e a PMDF não se manifestaram até o fechamento desta edição. Já a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal afirmou que não comenta sobre investigações e processos judiciais em andamento.
Julgamentos
O presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, afirmou que a Corte não vai esmorecer no julgamento dos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro. Segundo o magistrado, encerrada a fase de apresentação de denúncias e produção de provas contra mentores dos ataques, o tema será pautado “imediatamente” na Casa.
“Feita a denúncia, vai haver a produção das provas e, concluída a produção de provas, é que vai haver o julgamento pelo Supremo.
Se terminar a produção de provas, eu vou pautar imediatamente”, disse Barroso, na quintafeira, durante o Brazil Economic Forum, promovido pelo Grupo de Líderes Empresariais (Lide), em Zurique, na Suíça.
Os suspeitos de terem relação com os atos de 8 de janeiro foram divididos em quatro grandes grupos, por tipo de envolvimento: executores da invasão e depredação, incitadores, financiadores e autoridades. Até agora, somente os dois primeiros blocos tiveram julgamento e punição.
Barroso destacou que ainda não houve denúncia do procuradorgeral da República, Paulo Gonet, sobre o caso. “É a partir daí que começa a ação penal e começa a atuação jurisdicional do Supremo”, declarou.
Segundo o ministro, nada impede que as ações possam ir para o plenário da Corte, caso a 1ª Turma do Supremo opte por enviar ao colegiado maior, de 11 integrantes.
“Pelo regimento interno atual, essa é uma matéria de competência da Turma. A menos que a Turma decida transferir ao plenário. O que poderia dizer é que essa seria uma mudança da regra do jogo no meio do jogo. A competência hoje é da Turma”, afirmou.
Na avaliação de Barroso, o julgamento e a punição de todos os envolvidos nos atos golpistas servirão para não naturalizar manifestações violentas que questionam o resultado das eleições democráticas. “Todos os julgamentos estão sendo feitos pelo Poder Judiciário com o devido processo legal. Não estão sendo feitos nos quartéis.
Há até foragidos. Mas não há desaparecidos nessas investigações”, mencionou, em referência à ditadura de 1964. Na avaliação do presidente do STF, no entanto, casos como o dos atos golpistas causam tensão entre os Três Poderes. “Temos os julgamentos do 8 de janeiro, que sempre causam algum grau de tensão. E, mais recentemente, as investigações de uma possível tentativa de golpe, segundo a imprensa”, frisou.
Presente no evento, o ministro Gilmar Mendes também comentou o caso. “Não raras vezes, isso (o controle de constitucionalidade) se faz em face de emendas constitucionais, às vezes aprovadas por quase unanimidade. Aqui e acolá, podem apontar exageros. Mas isso é levado ao Supremo. É um trabalho, portanto, difícil, espinhoso e que provoca tensões”, admitiu.
Indiciados
Este ano, a Justiça também se prepara para o inquérito da Polícia Federal que indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro e mais 36 acusados por tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. A denúncia está nas mãos da Procuradoria-Geral da República (PGR).
Na investigação, agentes da PF recuperaram arquivos deletados no computador do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, com detalhes sobre o plano “Punhal Verde e Amarelo”. A suposta trama golpista previa reverter o resultado das eleições de 2022, além do planejamento de assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes.