O Estado de S. Paulo, n. 47924, 02/01/2025. Política, p. A6

Moraes é relator da maioria dos inquéritos criminais do STF
Wesley Galzo

 

 

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes concentra 21 dos 37 inquéritos criminais em tramitação na Corte. Não estão contabilizados os casos sigilosos e em segredo de Justiça. Portanto, o número é maior do que o indicado pelos dados oficiais. Moraes não quis se manifestar. De acordo com levantamento do Estadão com base em dados abertos do tribunal, o segundo com mais inquéritos é Luiz Fux, relator de três deles. O regimento estabelece que as ações com elo entre si terão o mesmo relator. A Secretaria Judiciária aponta se há conexão.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes concentra em seu gabinete a maioria dos inquéritos criminais em tramitação na Corte. Levantamento realizado pelo Estadão com uso do painel Corte Aberta, do STF, aponta a existência de 37 investigações em curso atualmente, das quais 21 estão sob relatoria de Moraes.

Em comparação, o segundo ministro com mais inquéritos é Luiz Fux, que relata três casos. Procurado pelo Estadão, Moraes não quis se manifestar.

O painel Corte Aberta não contabiliza os inquéritos sigilosos e em segredo de justiça. Portanto, na prática, o número de casos relatados por Moraes é ainda maior do que o indicado pelos dados oficiais, tendo em vista a existência do inquérito das fake news (sigiloso) e de uma série de petições de caráter investigativo relacionadas a esse caso. O inquérito que apura uma suposta tentativa de golpe de Estado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), com o apoio de militares, é um exemplo de caso no gabinete de Moraes que tramitava sob sigilo e na forma de petição.

A PET 12100 foi instaurada em dezembro de 2023, na esteira dos acampamentos golpistas em frente aos quartéis e dos atos de vandalismo ocorridos no dia da diplomação do presidente Luiz Inácio da Silva (PT). A partir dessa ação, a Polícia Federal (PF) identificou a rede golpista que planejou o assassinato de autoridades para tomar o poder após perder a eleição de 2022.

No dia 26 de novembro deste ano, Moraes suspendeu o sigilo da investigação, mas o processo permaneceu classificado como petição em vez de inquérito.

O Estadão questionou o STF sobre o número de petições investigativas e inquéritos sigilosos e em segredo de justiça em curso, mas não houve resposta no prazo estabelecido para inclusão na reportagem.

PREVENÇÃO. A concentração de inquéritos nas mãos de Moraes é atribuída pelo painel Corte Aberta à “distribuição por prevenção” dos novos inquéritos instaurados no STF. Isso significa que os casos não foram sorteados, mas, sim, direcionados ao gabinete do ministro. O regimento interno da Corte estabelece que a prevenção ocorre nos processos vinculados por conexão; ou seja, todas as ações que tenham relação entre si são conduzidas pelo mesmo relator. O objetivo desse modelo de escolha dos relatores é evitar a ocorrência de decisões conflitantes sobre o mesmo assunto.

Os novos casos que chegam ao STF são analisados pela Secretaria Judiciária, que identifica se estão relacionados a outras ações já em tramitação para distribuí-los aos relatores. Caso a ação não tenha conexão com outro assunto, o processo é sorteado entre os ministros, com exceção do presidente e dos que se declararem impedidos.

O professor de direito penal da Universidade de São Paulo (USP) Gustavo Badaró afirma que distribuição por prevenção é positiva porque “permite economia processual, evita decisões conflitantes e garante uma visão global do fenômeno investigado”, mas a regra da conexão é “deturpada” em alguns tribunais.

“A finalidade dela é que tudo seja reunido em um só processo ou um só inquérito. O que se tem feito é usar a regra de conexão para justificar que um ministro prevento continue com aquele novo inquérito, sem fazer com que aqueles inquéritos sejam reunidos ou se transformem em um único processo”, avaliou. “O que me parece – e isso não é um mal dos casos do ministro Alexandre de Moraes – é que não tem sentido invocar conexão se as investigações não vão correr conjuntamente.”

UM ANO. Um fator presente na maioria dos inquéritos a cargo de Moraes é o longo período de tramitação. O caso mais antigo em posse do ministro é o inquérito das fake news, que já ultrapassa cinco anos. A investigação duradoura deriva dos sucessivos pedidos de diligências feitos pelo ministro, que, por consequência, fazem com que os agentes da PF solicitem mais prazo para cumprir as demandas.

O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, reconheceu em dezembro que o inquérito das fake news, “está demorando” para ser concluído, mas ponderou que os fatos que justificam a investigação “têm se multiplicado”. “O inquérito, com todas as singularidades que, reconheço, ocorreram, foi decisivo para salvar a democracia no Brasil. Nós estávamos indo para um abismo”, afirmou a jornalistas. “Foi atípico, mas olhando em perspectiva, foi necessário e acho que foi indispensável para nós enfrentarmos o extremismo no Brasil. O inquérito está demorando porque os fatos se multiplicaram no decorrer do tempo.”

Moraes, por sua vez, decidiu prorrogar o inquérito por mais seis meses, mas sinalizou que a investigações podem estar se aproximando do fim. A expectativa é que a PF colha os depoimentos de mais 20 pessoas e finalize as diligências. A segunda investigação mais longa tem quatro anos e oito meses de duração. O processo em questão investiga o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o senador Sergio Moro (União Brasil-PR) por supostas tentativas de interferência política na PF.

Existem ainda cinco inquéritos com três anos ou mais de duração, dois com mais de dois anos, nove com mais de um ano e quatro instaurados em 2024, sendo dois relacionados ao assassinato da vereadora Marielle Franco, em que um dos acusados é o deputado federal Chiquinho Brazão (sem partido-RJ).

O Código de Processo Penal determina que o inquérito deverá terminar no prazo de 10 dias, se o indiciado tiver sido preso, ou em 30 dias nas demais situações. Contudo, a leitura desse trecho da lei é flexível por causa da rigidez da regra. Badaró avalia que “não há na nossa legislação um prazo máximo, peremptório, absoluto a partir do qual atingido o inquérito tem que ser arquivado ( concluído)”.

EXAGERO. Ele pondera que “cinco anos para um inquérito policial já é um exagero”. “Quanto mais o tempo vai passando, maior a dificuldade de descobrir fontes de prova.” Segundo ele, o Brasil está sujeito à norma da Convenção Americana que diz que um processo deve ter duração razoável. “A nossa Constituição também diz, mas esse é um conceito aberto, variável de acordo com as características do caso, como número de investigados e complexidade da investigação.” Ele disse ainda que inquéritos longos são comuns nos tribunais, e não só no STF.

A apuração mais recente foi aberta em agosto para investigar publicações do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos de conversas fraudadas para atacar a jornalista Juliana Dal Piva.

Duração Um dos casos já dura mais de 5 anos, outro tem 4 anos e 8 meses e há 5 inquéritos com mais de 3 anos

O caso envolve pessoas sem foro, mas, ainda assim, é relatado por Moraes. Em 2018, o STF restringiu o foro apenas aos crimes cometidos no exercício do cargo e relacionados às funções. Passados seis anos, os ministros formaram maioria em abril pela ampliação da prerrogativa de foro, nos casos de crimes cometidos no cargo e em razão dele, após a saída da função. Eles também podem julgar réus comuns envolvidos em crimes cometidos por autoridades com foro. A Corte decidiu ainda julgar os extremistas civis do 8 de Janeiro.

“O Supremo parece oscilar entre momentos em que quer restringir a sua competência por prerrogativa de função e momento em que quer ampliar a sua competência. Isso é ruim, porque determinar quem é o órgão competente para julgar uma ação penal integra a garantia do juiz natural, que envolve e exige, uma predeterminação de acordo com critérios claros e objetivos de quem é o órgão competente”, diz Badaró.