Correio Braziliense, n. 22595, 28/01/2025. Política, p. 3

Michelle e filho 03 queria o golpe
Israel Medeiros
Fabio Grecchi


O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro tentaram convencer Jair Bolsonaro a dar um golpe de Estado, depois de derrotado nas urnas por Luiz Inácio Lula da Silva, em 2022. A acusação foi feita pelo tenente-coronel do Exército Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do então presidente da República, na primeira delação que fez à Polícia Federal (PF), em agosto de 2023.

Os detalhes do depoimento foram trazidos à tona, ontem, pelo jornalista Elio Gaspari, colunista de O Globo e da Folha de S.Paulo, e confirmados pelo Correio Braziliense. Segundo Cid, depois da derrota, Bolsonaro passou a se consultar com assessores, ministros e aliados sobre que rumo tomar. O tenente-coronel afirmou à PF que havia quatro grupos distintos: um que defendia que deixasse o poder e se reorganizasse para assumir o papel de principal líder da oposição ao futuro governo Lula; outro que, embora estivesse insatisfeito com a derrota nas urnas, era contrário a qualquer ruptura institucional; um terceiro sugeria que o então presidente deixasse o país; e um quarto, dividido em dois subgrupos, que propunha um golpe de Estado. Nessa divisão, uma parte acreditava que haveria meios jurídicos para melar a eleição, mas outra era a favor da ruptura institucional violenta, inclusive conclamando os CACs (Caçadores, Atiradores e Colecionadores de armas) a formarem uma espécie de milícia para manter Bolsonaro no poder. “Que as outras pessoas que integravam essa ala mais radical era composta pelo ex-ministro Onix Lorenzone, pelo atual senador Jorge Seiff, o ex-ministro Gilson Machado, senador Magno Malta, deputado federal Eduardo Bolsonaro, general Mario Fernandes (secretário executivo do general Ramos); que general Mario Fernandes atuava de forma ostensiva, tentando convencer os demais integrantes das forças a executarem um golpe de Estado; que compunha também o referido grupo a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro; que tais pessoas conversavam constantemente com o ex-presidente, instigando-o para dar um golpe de Estado”, diz um trecho da delação (as grafias dos nomes foram mantidas incorretas porque é dessa forma que consta no documento).

Cid aponta, também, que o ex-presidente foi acossado por influenciadores bolsonaristas para que optasse por uma saída extrema. “Que os integrantes do Hipócritas [canal de humor alinhado ao ex-presidente que era administrado por Bismark Fugazza, Antônio Pacheco e Paulo Souza] jantaram com o ex-Presidente no Palácio da Alvorada; que não se recorda se os referidos jornalistas dormiram no Palácio da Alvorada; que os integrantes do Hipócritas tinham contato direto com o ex-presidente Jair Bolsonaro; que entendiam que os CACs apoiariam o ex-presidente em uma tomada de decisão, como uma tropa civil em caso de um golpe; que o deputado federal Eduardo Bolsonaro tinha mais contato com os CACs.

Artigo 142

Entre aqueles que buscavam uma saída infralegal para melar as eleições, a ideia era tentar fundamentar o golpe no artigo 142 da Constituição — cuja interpretação era a de considerar que as Forças Armadas teriam a permissão para tornarem-se um “poder moderador”. Neste estavam o ex-assessor internacional Felipe Martins, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, o hoje deputado federal Eduardo Pazuello (PL-RJ) e os senadores Magno Malta (PL-ES) Luiz Carlos Heinze (PP-RS) — que teria sugerido o sequestro de urnas, à revelia do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para que fossem auditadas.

“Que nessa época após o segundo turno, recebiam muitas informações de fraudes; que o presidente repassa as possíveis denúncias para os generais Pazzuello e Paulo Sergio para que fossem apuradas; que o grupo tentava encontrar algum elemento concreto de fraude, mas a maioria era explicada por questões estatísticas: que as informações estatísticas foram tratadas pelo major Denicole: que o major Denicole era quem geralmente trazia os dados ao ex-presidente; que o grupo não identificou nenhuma fraude nas urnas; que a única coi sa substancial que encontraram foi a questão das umas antigas que ensejou a ação do PL; que o Senador Heinz, que também integrava esse grupo, usava um documento do Ministério Publico militar que dizia que como o país estava em GLO, para garantia das eleições, o senador entendia que as forças armadas poderiam pegar uma urna, sem autorização do TSE ou qualquer instancia judicial, para realização de testes de integridade”, aponta outro trecho da delação, cujas grafias de novo foram mantidas incorretas.

Segundo Cid, esse grupo não era organizado, mas se encontrava “esporadicamente” com o então presidente. Ele também detalhou que Bolsonaro contestava o resultado das urnas e queria provar que houve fraude no processo eleitoral. Ele teria verbalizado que, se não fosse possível reunir as provas necessárias que pudessem anular as eleições, tentaria convencer as Forças Armadas a embarcar em um golpe.

Indignação

Por meio de nota, a defesa de Bolsonaro manifestou indignação com o que chamou de “vazamentos seletivos” e “inconformismo” com o fato de lhe ter sido negado o acesso ao conteúdo da delação pela Justiça. “Enquanto lhe é sonegado o acesso legal à integralidade da referida colaboração, seu conteúdo, por outro lado, veio e continua sendo repetidamente publicizado em veículos de comunicação, tornando o sigilo uma imposição apenas às defesas dos investigados, evidentemente prejudicados em seu direito à ampla defesa”, salientam os advogados Paulo Cunha Bueno, Daniel Tesser e Celso Sanchez Vilardi.

O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) também criticou o vazamento da delação e foi o único do clã a se manifestar nas redes sociais. “Essa delailusão (sic) vazada hoje na imprensa é aquela negada à defesa do general Braga Netto há dois dias?”, questionou.

Frases

“Essa ala mais radical era composta pelo (...) deputado federal Eduardo Bolsonaro; (...) a ex-primeira-dama Michelle; conversavam com o ex-presidente, instigando-o para dar um golpe”

Trecho da delação de Mauro Cid

“Enquanto lhe é sonegado o acesso à integralidade da colaboração, seu conteúdo continua publicizado, tornando o sigilo uma imposição apenas às defesas dos investigados”

Trecho da nota dos advogados de Bolsonaro