O Estado de S. Paulo, n. 47931, 09/01/2025. Metrópole, p. A13

Governo publica regras para aborto feito em criança vítima de violência
Layla Shasta

 

 

Objetivo é acelerar acesso ao procedimento nas situações em que a lei permite.

O governo federal publicou ontem a resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) com diretrizes para o aborto legal em vítimas de violência sexual menores de 14 anos.

O documento aborda os direitos das vítimas de violência e dá orientações sobre acolhimento e encaminhamento dos casos, com o objetivo de agilizar o acesso à interrupção da gestação nas situações permitidas por lei. A resolução não muda a legislação a respeito do aborto no Brasil.

Quando aborto é permitido em casos de estupro, risco à vida da mãe e quando é constatada anencefalia do feto em parecer médico

O Conanda havia aprovado as normas em 23 de dezembro, em votação com diferença de dois votos – 15 favoráveis e 13 contrários. Mas a resolução foi suspensa no dia seguinte, após pedido da senadora Damares Alves (Republicanos – DF), de forma provisória.

O governo federal havia votado contra a resolução, afirmando que as diretrizes deveriam ser definidas em lei pelo Congresso Nacional. Mas a proposta avançou com apoio de outros segmentos do colegiado.

Na segunda-feira, o desembargador Ney Bello, do Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF-1), suspendeu a decisão que havia barrado a resolução e autorizou a sua publicação no Diário Oficial da União (DOU).

Em sua decisão, o magistrado considerou que o Conanda agiu dentro de suas atribuições, “estabelecendo os pressupostos necessários à correta interrupção da gravidez quando fruto de abominável violência”. O desembargador disse ainda que “uma sociedade em que suas instituições privilegiam o embate ideológico e suas verdades preconcebidas, sobre a sanidade, a liberdade e proteção de menores vítimas de violência está fadada ao fracasso enquanto aventura da modernidade racional”.

O QUE DIZ O DOCUMENTO. A resolução do Conanda aponta diretrizes para os órgãos do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA) no atendimento a casos de gravidez de menores de 14 anos decorrentes de estupro, em situação em que a gestação representa risco à vida da mãe ou em caso de feto com diagnóstico de anencefalia.

Segundo o texto, deve-se garantir o acesso à interrupção da gestação nos casos previstos em lei o mais rápido possível. “Sem a imposição de barreiras sem previsão legal”, diz o documento.

“(...) uma sociedade em que suas instituições privilegiam o embate ideológico e suas verdades preconcebidas, sobre a sanidade, a liberdade e proteção de menores vítimas de violência está fadada ao fracasso enquanto aventura da modernidade racional”

Ney Bello

Desembargador do TRF-1, em decisão judicial

Entre as diretrizes, está a definição de que, em caso de divergência entre a vontade da criança/adolescente e dos pais ou responsáveis, deve ser dada prioridade à vontade expressa da criança. Além disso, caso a vítima procure o serviço sem a presença dos responsáveis legais, os profissionais envolvidos devem consultá-la sobre a possibilidade de contatar o adulto de referência.

Se a presença dos pais puder causar danos físicos, mentais ou sociais à criança, o profissional deve assegurar que os tratamentos ocorram sem impedimentos, no caso de ela ser capaz de tomar decisões.

Ainda segundo o documento, a criança ou adolescente vítima de violência sexual deve ser informada sobre o direito ao aborto legal de forma clara e adequada à sua idade, para que possa tomar decisões.

No País, de acordo com o Código Penal, a interrupção da gestação é permitida em casos de estupro, de risco à vida da mãe e em situações em que é constatada, por meio de parecer médico, a anencefalia do feto: ausência parcial do encéfalo e da calota craniana.

Quanto à idade gestacional, a resolução estabelece que “o limite de tempo gestacional para a realização do aborto não possui previsão legal, não devendo ser utilizado pelos serviços como instrumento de óbice (obstáculo) para realização do procedimento”.

CONANDA. O Conanda é um órgão colegiado vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Ele é formado por representantes do governo federal e da sociedade civil e tem a atribuição de definir as diretrizes para a Política Nacional de Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes. Já o SGDCA foi instituído em 2006, pela Resolução n.º 113 do Conanda, para fortalecer a implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e garantir a proteção integral à infância e à adolescência. •