Correio Braziliense, n. 22594, 27/01/2025. Política, p. 4

Desconforto, ameaças e humilhações na viagem
Mariana Costa
Thiago Bonna


Os brasileiros deportados dos Estados Unidos relataram, logo depois de desembarcarem no Aeroporto de Confins, que a aeronave disponibilizada pelo governo norte-americano estava em condições precárias. Eles foram levados para Belo Horizonte por um jato da Força Aérea Brasileira (FAB), que os pegou em Manaus — onde o avião que os trouxera dos EUA teve de descer por problemas técnicos.

O goiano Kalebe Barbosa Maia, de 28 anos, estava há seis  nos Estados Unidos e foi preso há seis meses. "Foi uma viagem muito difícil até chegar aqui, ao Brasil. Fomos muito humilhados pela imigração americana. Trataram a gente muito mal. (O jato) parou no Panamá. Teve problemas técnicos, teve que viajar com um mecânico dentro do avião. O ar-condicionado estragou. A turbina do avião falhando. As condições eram precárias. Foi um momento desesperador", disse, acrescentando que o grupo foi mal alimentado — ao contrário dos seguranças e tripulantes.

Carlos Vinícius de Jesus, de 29 anos, de Vespasiano (MG), ressalta que "o pessoal de Manaus é que recebeu a gente bem e acolheu. Eu tive que subir em cima da asa para pedir socorro. Os americanos são hipócritas. Eles me falaram: 'Que se dane seu governo. Se a gente quiser, fecha a porta da aeronave, desce e mata vocês'. Foi o que eles falaram".

Motim a bordo

O curitibano Mário Henrique Andrade Matheus, de 41 anos, tinha marcas vermelhas nos pulsos que, segundo relatou, foram causadas pelo agentes de imigração norte-americanos que os acompanharam. Ele afirmou que, ao chegarem ao Amazonas, os oficiais dos EUA não quiseram deixá-los desembarcar, apesar de o ar-condicionado estar desligado.

Isso fez com que passageiros, entre eles mulheres e crianças, passassem mal, e que outras pessoas que estavam sendo deportadas começassem a se rebelar ante a situação. A indignação teria sido respondida pelos estrangeiros com socos e chutes.

"Nós sem ar-condicionado, com pessoas desmaiando dentro do avião, fizemos força para sair. Eles agrediram alguns dos meninos. Aí, todo mundo ficou quieto. Quando chegou a Manaus, aconteceu a mesma coisa. A aeronave parou de funcionar e ficamos sem ar condicionado e tudo trancado. As crianças passando mal, os meninos falando para tirá-las, botar para fora para receberem o auxílio necessário. Mas os agentes dos Estados Unidos não queriam deixar a gente sair", narrou.

O mineiro Matheus Lopes, de 23 anos, relatou dificuldades para ir ao banheiro durante o voo por causa das algemas. "Braço, barriga, perna. Eles não tiravam a algema nem para a gente ir ao banheiro", desabafa. Segundo os brasileiros, as mãos estavam algemadas, os pés acorrentados e ainda havia outra algema na cintura.

O vigilante Jefferson Maia, de 26, natural de Ji Paraná (RO), foi preso na fronteira com o México e, no voo, disse que foi agredido por agentes — mostrou um braço inchado para confirmar a acusação. O vigilante relatou que os brasileiros forçaram a saída de emergência da aeronave e foram para uma das asas pedir socorro porque, dentro do avião sem ar condicionado, a situação era insuportável.

O carpinteiro Aelinton Cândido, de 43, de Divinópolis (MG), trabalhava na construção  em Nova York. Sobre a viagem de volta ao Brasil, foi enfático. "Foi a pior coisa que passei na vida. Tive medo de morrer. Foi uma tentativa de assassinato o que aconteceu conosco. Tenho diabetes, que desenvolvi por má alimentação e por não ter tratamento na prisão. Ninguém te ajuda a conseguir emprego ou a regularizar sua situação", disse.

Passageiros afirmaram que, em solo brasileiro, os agentes quiseram tirar as algemas antes de os policiais federais entrarem no jato para disfarçar a situação em que eram transportados. 

Frases

"Foi uma viagem muito difícil até chegar aqui, ao Brasil. Fomos muito humilhados pela imigração americana. Trataram a gente muito mal. (O jato) parou no Panamá. Teve problemas técnicos, teve que viajar com um mecânico dentro do avião”

Kalebe Barbosa Maia, 28 anos

“Nós sem ar-condicionado, com pessoas desmaiando dentro do avião. Eles agrediram alguns dos meninos. Quando chegou a Manaus, aconteceu a mesma coisa. Ficamos sem ar condicionado e tudo trancado. As crianças passando mal, e os agentes não queriam deixar sair”

Mário Henrique Matheus, de 41 anos

“O pessoal de Manaus é que recebeu a gente bem e acolheu. Eu tive que subir em cima da asa para pedir socorro. Os americanos são hipócritas. Eles me falaram: ‘Que se dane seu governo. Se a gente quiser, fecha a porta da aeronave, desce e mata vocês’”

Carlos Vinícius de Jesus, de 29 anos

“Foi a pior coisa que passei na vida. Tive medo de morrer. Foi uma tentativa de assassinato o que aconteceu conosco. Tenho diabetes, que desenvolvi por má alimentação e por não ter tratamento na prisão. Ninguém ajuda a conseguir emprego ou a regularizar a situação”

Aelinton Cândido, de 43 anos