Valor Econômico, 06/05/2020, Brasil, p. A3

Ociosidade já aumentava antes da crise, avalia Ibre

Hugo Passarelli


A ociosidade da economia deve ter aumentado no primeiro trimestre, contrariando a tese do governo de que, antes de ser atingida em cheio pela pandemia do novo coronavírus, a atividade estava acelerando o ritmo de crescimento. Os números estão sendo consolidados pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) e devem ser conhecidos ainda na primeira quinzena de maio.

“A economia não estava ‘bombando’ como o Paulo Guedes [ministro da Economia] falou. O primeiro trimestre não foi bom”, afirma Claudio Considera, pesquisador associado do Ibre/FGV.

No fim do mês, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) também divulga o dado oficial sobre o desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) nos três primeiros meses do ano.

Se confirmado, o aumento da ociosidade vai reverter a leve melhora que havia mostrado no fim do ano passado. Entre o terceiro e quarto trimestres de 2019, o hiato do produto, que mede a diferença entre o crescimento potencial e o que efetivamente ocorreu, caiu de 3,7% para 3,5% na média entre as métricas mais utilizadas pelos economistas.

Pela ótica da função da produção, que considera a produtividade total dos fatores e os estoques de capital físico e humano, o hiato do produto recuou de 4,5% para 4,3%. Essa medida é considerada mais precisa pelo Ibre por embutir um sentido econômico, e não meramente estatístico, como a média das estimativas de hiato do produto.

“O país passa por uma crise fiscal, com uma dívida bruta em proporção do PIB de aproximadamente 80% e o hiato do produto segue ainda bastante aberto mesmo após mais de dois anos de terminada a última recessão”, resume Considera em artigo no blog do Ibre, elaborado em conjunto com as pesquisadoras Juliana Trece e Elisa Andrade.

Entre os segmentos da economia, a ociosidade na indústria ficou estável em 5,6% pela média das medidas de hiato e caiu de 6,4% para 6,2% na análise de função da produção. “Ambos os valores mostram um hiato negativo do produto industrial superior ao do PIB e que já se tornou negativo um ano antes do que no caso do PIB”, dizem os autores.

Em igual comparação, o hiato do produto observado no setor de serviços caiu de 4% para 3,9% nas duas medidas de ociosidade calculadas pelo Ibre/FGV.

As medidas de isolamento social adotadas a partir de março abateram toda a economia, mas causam preocupação sobretudo pelo impacto nos serviços, paralisados em larga escala desde então e com peso crescente sobre a frágil recuperação da economia observada desde 2017.

O consumo das famílias tem puxado o crescimento do PIB nos últimos três anos, com taxa de aumento ao redor de 2%, mas a composição mudou significativamente, nota Considera. Em 2017, o consumo de serviços foi responsável por 15% do consumo das famílias, fatia que aumentou para 61% em 2019, segundo cálculos do Ibre/FGV.

Isso gera incerteza sobre a velocidade da retomada uma vez que, mesmo passado o pico das contaminações por covid-19 no Brasil, o consumo das famílias, a recuperação do crédito e a melhora da ocupação pela informalidade não devem ter força para impulsionar a atividade.

“Tal comportamento mostra a fragilidade estrutural da economia brasileira, baseada quase unicamente em consumo, com aumento da importância do consumo de serviços. Fica difícil sustentar que, a longo prazo, um crescimento robusto da economia poderia ser sustentado com essa estrutura, que foi muito incentivada por medidas pontuais do governo de estímulo à economia, como a liberação do FGTS”, dizem Considera, Juliana e Elisa.