Valor Econômico, 06/05/2020, Política, p.
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Bolsonaro quis apadrinhar chefia da PF no Rio, diz Moro
Luísa
Martins
Murillo Camarotto
Matheus Schuch
O ex-ministro da Justiça Sergio Moro disse em depoimento no sábado que sofreu
pressões diretas do presidente Jair Bolsonaro para trocar o superintendente da
Polícia Federal no Rio de Janeiro. “Você tem 27 superintendências, quero apenas
uma”, teria dito Bolsonaro, sobre a seção fluminense da PF.
Durante mais
de oito horas, Moro detalhou aos investigadores as afirmações feitas por ele
quando deixou a pasta, no último dia 24. Apesar da contundência das revelações,
ele fez questão de ressaltar que jamais acusou o presidente da República de
qualquer crime, e que caberá ao Ministério Público Federal (MPF) avaliar a
conduta de Bolsonaro.
A declaração
foi vista como uma espécie de salvaguarda contra uma eventual acusação de
denunciação caluniosa por parte de Bolsonaro. Essa hipótese foi considerada
pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, ao instaurar o inquérito que
vai investigar o caso.
Ao tomar
conhecimento dessa afirmação específica de Moro, o presidente aproveitou para
contra-atacar. Disse que o ex-ministro pode ter infringido a Lei de Segurança
Nacional ao compartilhar com a imprensa o conteúdo de conversas privadas entre
os dois. De acordo com Bolsonaro, as mensagens continham partes de relatórios
confidenciais.
“É um homem
que, inclusive, tinha peças de relatórios parciais de coisas que eu passava
para ele”, afirmou o presidente. “E pode ver que eu confiava nele, tanto que
passava extratos de informações de chefes de Estado e inteligência de fora do
Brasil”, completou Bolsonaro a jornalistas.
Sobre o desejo
de trocar a chefia da PF no Rio, o presidente argumentou que estava
insatisfeito, entre outras coisas, com a condução do caso envolvendo a
vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), morta a tiros em
março de 2018. Segundo Bolsonaro, ele próprio chegou a ser citado como
suspeito, fato que deveria ter resultado em um aprofundamento das investi
“O Rio é o meu
Estado. Eu fui acusado de tentar matar a Marielle,
quer algo mais grave? Quem quer que seja [assassinado], o presidente da
República ser acusado? A Polícia Federal tem que investigar, por que não
investigou com profundidade?”, reclamou o presidente, na portaria do Palácio da
Alvorada.
Aras
determinou ontem a investigação da troca na PF do Rio, feita pelo novo
diretor-geral, Rolando Alexandre, em seus primeiros minutos no cargo. A
investigação dessa substituição foi incluída no rol dos trabalhos previstos no
inquérito já instaurado, sem a necessidade de nenhum ato formal adicional.
Em seu
depoimento, Moro disse que em março deste ano, quando estava em missão oficial
nos Estados Unidos, recebeu uma mensagem de Bolsonaro, que insistia na demissão
do chefe da PF no Rio. O então ministro disse que não participava das nomeações
de superintendentes regionais, tocadas de forma autônoma pelo diretor-geral.
Bolsonaro,
então, passou a exigir a queda de Maurício Valeixo, o
diretor-geral escolhido por Moro. O ex-ministro admitiu que chegou a considerar
a troca para “evitar uma crise”. Até aquele momento, segundo Moro, não havia
nenhuma interferência ou solicitação de informação de inquéritos por parte de
Bolsonaro.
Pela manhã, o
presidente disse que jamais pediu qualquer tipo de informação, algo que ele
chamou de “mentira deslavada”. Também negou que haja investigações contra ele
ou seus filhos em andamento no Rio, que poderiam ter motivado a troca na PF.
O ex-ministro
também relatou o ocorrido na reunião ministerial realizada no último dia 22,
quando ele foi cobrado pelo presidente em frente aos demais ministros sobre a
troca de Valeixo e do superintendente no Rio. A
gravação dessa reunião foi solicitada pela PGR no âmbito do inquérito
instaurado para investigar as acusações feitas por Moro.
Aras também
pediu a tomada de depoimento dos ministros Walter Braga Netto (Casa Civil),
Augusto Heleno (GSI) e Eduardo Ramos (Secretaria-Geral),
que teriam se reunido com Moro após as cobranças feitas pelo presidente.
Segundo Moro, os generais se comprometeram a tentar demover Bolsonaro do plano.
Os ministros
militares perguntaram se Moro aceitaria uma troca por alguém que ele próprio
indicasse. Moro sinalizou positivamente, com a condição de que não houvesse
mudança no Rio. Poucas horas depois, ao tomar conhecimento de que a exoneração
de Maurício Valeixo já estava encaminhada, Moro
decidiu sair.
O ex-ministro
também afirmou no depoimento que apagou a maioria das mensagens trocadas com
Bolsonaro ao longo dos últimos meses, hábito que ele adquiriu após virem a
público os diálogos dele com alguns procuradores da Lava-Jato. Ainda assim,
Moro mencionou algumas possíveis provas que poderiam confirmar o intuito de
Bolsonaro de interferir politicamente na PF.
Foram
elencadas nove possibilidades de prova, entre as quais o seu próprio depoimento
e as declarações públicas nas quais Bolsonaro confirmou que queria trocar nomes
na Polícia Federal.
Moro também
citou relatórios da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), nas quais
constam informações vindas da PF e que são legalmente disponibilizadas ao
presidente da República. Isso provaria que Bolsonaro já tinha acesso aos dados
de inteligência aos quais ele tem direito.
O ex-ministro
ainda mencionou os depoimentos de outros delegados da PF como possíveis provas
de suas declarações. Todos eles já tiveram as oitivas solicitadas pela PGR no
inquérito que trata do assunto. Moro também disponibilizou o conteúdo do seu
telefone, algo que as diligências solicitadas pelo Ministério Público já
contemplaram.